domingo, 17 de junho de 2012

O sorriso do mal




Por: José Ricardo

As duas viaturas, em deslocamento, emparelharam-se. O Sargento Moisés, comandante de uma delas, gritou para os militares da outra guarnição:




- Nós vamos chegar por um lado, e vocês, pelo outro. É pra jogar todo mundo na parede. Beleza?

O Cabo Werneck, comandante da outra guarnição, respondeu:

- Beleza,  beleza, sargento.

As duas viaturas se separaram; cada qual convergiu para uma rua, a fim de chegarem por lados opostos, cercando quem quisesse evadir do Bar da Esquina. Segundo denúncia anônima, quatro indivíduos estariam consumindo entorpecentes nesse bar. A averiguação de denúncias como essa era rotina para os militares, motivo pelo qual o planejamento foi simples: cercar as saídas e revistar todo mundo. Claro que tudo dentro das técnicas policiais e de acordo com os direitos humanos.

Dirigindo-se para o local, o sargento se preparava. Fez uma inspeção visual na arma e disse para o patrulheiro:

- É pra chegar com energia, beleza?

- Beleza, sargento.

As viaturas, simultaneamente, chegaram defronte ao bar, cada qual por um lado, surpreendendo os circunstantes e não dando chance para qualquer tentativa de fuga. De dentro da viatura, o sargento determinou para os clientes que estavam na entrada do bar:

- Abordagem policial! Todo mundo coloca a mão na cabeça e encosta na parede!

Rapidamente, os militares desembarcaram. Dois ficaram do lado de fora do bar monitorando os clientes, e os outros adentraram no estabelecimento.

- Abaixa o som!- determinou o sargento para o dono do bar. - É uma abordagem policial! Todo mundo saia do bar com a mão na cabeça! As mulheres também!

Nesse momento, enquanto os clientes iam saindo, um rapaz despistou e tentou entrar no banheiro. O Cabo Werneck percebeu a movimentação e gritou:

- Foge não! Volta aqui! Põe a mão na cabeça!

O rapaz, numa tentativa derradeira, jogou um invólucro de plástico no chão. Werneck pegou o invólucro e constatou que se tratava de um papelote contendo uma substância semelhante à cocaína.

- Isto é seu? - perguntou o cabo.

- Eu sou usuário, senhor. Eu sou trabalhador.

- Continua com a mão na cabeça e vai pra fora da bar.

Quando ambos chegaram do lado de fora do estabelecimento, o Cabo disse ao sargento:

- O cidadão aqui tentou dispensar este papelote.

- Fernando, grampeia ele - determinou o sargento para o Soldado Fernando, patrulheiro de sua guarnição.

No momento em que algemava o usuário, Fernando disse-lhe:

- Você está sendo preso por trazer consigo substância semelhante à cocaína. Vamos te conduzir pra delegacia de Lagoa Azul.

- Me prende, não, doutor. Me prende, não. Eu sou trabalhador. Eu não sou traficante, não. Nó… Se minha mulher souber disso…

- Pensasse nisso antes. Você tá financiado o tráfico e quer que eu não te prenda. Pra mim, você é tão criminoso quanto qualquer traficante. É você que municia eles.

- Coloca ele no banco de trás da viatura - determinou o sargento.

- Me prende não, sargento. Me prende não. Eu sou trabalhador.

O sargento fingiu que nem ouviu. O usuário que se danasse. Era ele quem municiava os soldados do tráfico. Ainda estava tendo sorte por estar sendo conduzido no banco de trás da viatura. Se não fosse pelos direitos humanos, ele iria era no porta-malas.

Terminada a revista nos clientes e não sendo encontrada nenhuma outra substância aparentemente ilícita, o sargento tratou de qualificar duas testemunhas. Depois disso, agradeceu os militares da outra guarnição:

- Beleza, gente. Obrigado pelo apoio.

- Beleza, beleza. Se precisar, estamos aí - respondeu o Cabo Werneck.

Os militares embarcaram nas viatura e saíram do local. A guarnição do cabo Werneck retornou ao patrulhamento normal; a do sargento, deslocou em direção à delegacia com o conduzido.

Durante o deslocamento, o usuáro começou a chorar. Apesar de surpreso, o sargento ficou indiferente ao choro. Você está financiando a morte de policiais e de pessoas inocentes. Você que se dane, pensou.

Quando chegaram à delegacia, um traficante, que aguardava para ser autuado em flagrante, viu o usuário chorando e começou a rir.

- Que foi,véio - perguntou o traficante, em tom de deboche.

- Os homi me pegaram com pó - respondeu o usuário, em meio a soluços e lágrimas.

O traficante, com sorriso no rosto, ficou olhando para o usuário. Na verdade, quem deveria estar chorando era o traficante, pois era ele quem seria autuado e ficaria atrás das grades até que um juiz expedisse um alvará de soltura. Mas não; a cadeia não era nenhuma novidade para ele. Sabia que seria somente uma temporada; talvez curta. O palhaço tá chorando. Panaca! Pensava o traficante.

O sargento percebeu o escárnio no rosto do traficante.

- Pára de rir! Tem algum palhaço aqui?

O sargentou virou-se para o usuário e disse-lhe:

- Tá vendo. O traficante tá é rindo da sua cara. Ele não tá nem aí pra você. Enxuga esse rosto! Vai, enxuga logo!

- Eu sou trabalhador, sargento. Eu sou trabalhador.



Nota: Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.



“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independetemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituiçaõ Federal.


Diário de PM/BM

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