Muitas pessoas entram na polícia apenas pelo salário ou pela pseudo-estabilidade. Outras, além desses motivos, também querem fazer algo a mais. Cada um tem o seu objetivo, um desejo a realizar. O Sargento Móises era uma dessas pessoas que entrou querendo fazer esse algo a mais. Trancou sua matrícula numa Universidade Federal para ingressar na Polícia Militar na condição graduação de soldado de 2º classe. Ele devia estar doido nessa época, mas, de toda forma, foi aprovado no psicotécnico. Na verdade, como a maioria dos jovens, Moisés queria sentir a adrenalina correndo nas veias. Queria ação.
O jovem e recém-formado Soldado Barros também trancou a matrícula de seu curso superior para ingressar na polícia. Os dois, porém, tinham aspirações diferentes. E era sobre isso que, num final de um desgastante turno de serviço de radio patrulhamento, os dois conversavam:
- Sargento, por que o senhor não pede para ir para o Grupo de Rondas Táticas? O senhor gosta de abordar; aborda a noite toda.
- Por isso mesmo. Não ia mudar muita coisa se eu fosse para o GRT.
- Lá tem mais ação!
- Mas não é isso que eu quero.
- O que o senhor quer então?
- O que eu quero… Eu queria… Eu nunca falei isto para ninguém, Barros, mas o que me motiva a trabalhar é saber que trabalhamos para a comunidade. Eu queria ser oficial nessa Polícia, sabia?
- Mas o senhor vai ser. Só faltam algumas etapas.
- Se Deus quiser! Mas não é só pelo salário, não. Claro que ele é importante. Vai me garantir uma aposentadoria confortável, uma mudança radical no meu padrão de vida… Eu tenho um sonho também. Seria muito bom, eu me sentiria muito feliz se, por exemplo, depois de um ano que eu estivesse comandando um Pelotão, os índices de criminalidade reduzissem bastante. Eu me sentiria realizado. Cada homicídio que de alguma forma evitamos é uma vida que salvamos, cada criminoso que colocamos atrás das grades representa menos violência.
- Como o senhor iria conseguir fazer isso?
- Claro que não seria fácil, mas se fosse num Pelotão como o nosso, no qual os policiais são motivados e têm disposição para trabalhar, não seria difícil. O segredo é atuar com inteligência. Você sabia que, no ano passado, não teve nenhum homicídio consumado no nosso Pelotão?
- Nenhum!?
- Nenhum! Em todo turno eu reunia as viaturas e fazia operação nos pontos de tráfico. O negócio é incomodar mesmo; da nossa parte, não tem outro jeito. Mas o mérito não foi só meu. Claro que não. O pessoal aqui é bom! Muito bom! Mas nós não conseguimos acabar com o tráfico. E é isso que faz o policial ficar desmotivado e é aí que eu faria a diferença se fosse oficial.
- Como?
- Pra começar, iria mapear os pontos de tráfico. O tráfico desencadeia uma série de outros crimes, a começar pelo homicídio. Depois de mapear as bocas-de-fumo, o negócio é conseguir os mandados de busca e apreensão. Aí que entra o papel do oficial. Conseguir os benditos mandados de busca.
- Só isso?
- Não. Também tem que trabalhar com inteligência, como eu te falei. Você já leu o livro “A Arte da Guerra”?
- Já.
- Sun Tzu já dizia que um exército sem agentes secretos é como um homem cego e surdo. Abordar, abordar e abordar é apenas um paliativo; apenas enxugação de gelo. A gente só prende pé-de-chinelo. Pra se chegar nos grandes, o jeito é colocar o serviço de inteligência na espreita deles. Tem muito peixe grande nesse negócio. Você não viu o Abadia? Quantas mansões o cara tinha, as ligações com pessoas importantes? O cara usava até submarino para levar droga pros Estados Unidos. O negócio é cruzar as informações. Montar um banco de dados, mesmo que seja informal. Reunir os militares e procurar saber quem tá movimentando, como, quando… Colocar o serviço de inteligência pra fazer os levantamentos e dá o pulão. Mas dá o pulão certo, entendeu? Há mais de dois mil e quinhentos anos, Sun Tzu já dizia que, quando um hábil general se põe em movimento, o inimigo já está vencido. Decodificando, é errado ficarmos incursionando e abordando na esperança de pegarmos alguma coisa. O pulão tem que ser certeiro, até para que se diminuam os efeitos colaterais, entendeu? Desmantelar a quadrilha de uma só vez, sem chance de que ela se regenere.
- Ah, sargento, eu queria é trabalhar no GRT. Deve ser muito doido trocar tiro com vagabundo, fazer incursão em favela…
- Verdade. Incursão a gente já faz, Barros, mas sem um objetivo definido fica uma coisa vazia. Incursionar por incursionar não faz muito sentido. Ficar colocando a tropa numa zona de risco sem um objetivo é… - o sargento não encontrou as palavras para terminar a frase.
- Mas deve ser muito louco, sargento.
- Deve ser mesmo. Deve ser muito louco. O papo tá bom, mas já tá na hora de ir ver a família.
Fim
Autor: Jose Ricardo
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Nota: Está é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
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Diário de PM/BM
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