O que vou colocar aqui é uma carta de um cidadão elencando motivos para não ser policial militar. Eu encaro essa carta como a descrição da realidade a qual vive o policial.
Cinco razões para detestar ser policial militar
Razão UM: Queria Deus que eu esteja errado! A pior parte de ser da polícia militar é o militarismo. Em parte porque esse traço sempre representou uma arma contra o próprio militar. O militar é contra tudo e todos, o que não o libera de ser contra si mesmo ou contra seus semelhantes. Nada mais contraditório do que servir ao Estado e tê-lo contra você. Em toda a História da humanidade, não há um único exemplo em que ‘o militar’ tenha agido e não tenha pecado de alguma forma, pelo excesso ou pela falta. A farda tem uma simbologia singularmente paradoxal. É um misto de controle ao outro e autocontrole. O protesto alheio é reprimido pela força policial em defesa do Estado, e este invalida as ações da polícia com base na Lei e contra a própria polícia, que é quem é responsável por fazê-la cumprir; talvez seja essa a razão de o militar não ter vez com o governo. E muito se ouve que o poste não pode fazer xixi no cachorro. E o militarismo amordaça o militar e dilui nele a democracia e – por vezes até – o trancafia atrás das grades como um meliante. O militar tem dois fardos a carregar, a hierarquia e a disciplina.
Razão DOIS: o povo. A relação da polícia com o povo é como uma faca de dois gumes. Alguém sempre sai perdendo nesse embate. Em meio à população, há de tudo: pais de família, trabalhadores, homens de bem, pessoas de boa índole, estudantes, menores, grupos vulneráveis, doentes e incapazes, e os que reúnem um pouquinho de tudo. Ao que parece, só não tem bandido. Todos, na intenção de demonstrar sua indignação, gritam aos quatros cantos do mundo que não são isto, não são aquilo ou que são assim ou daquele jeito. À polícia cabe a ação. E, se ela não age, erra pois foi chamada para agir e, se não ia fazer nada, para que foi até lá(?); se age, erra também porque exagera. Se não ia dar flores, também não precisava ser grosseiro(!). É chamada para controlar. E quando controla, aparecem especialistas de todas as brechas para criticar. O povo está quase sempre contra, pois é do seu meio que provém toda a mazela da vivência humana. E, quem quer ser a mazela? Quem admite ser pai, mãe de uma ou ser a materialização da mazela? Quem quer ser a ‘pessoalização’ do que é ruim no meio social? Daí a se compreender o porquê da relação pífia entre polícia e sociedade...
Razão TRÊS: a justiça. Povo, Estado e justiça estão sempre aliados contra a polícia. O judiciário é quase inócuo quando o assunto é o direito do policial nas situações-problema geradas pelo serviço. Não há apoio. Não é feito o mínimo para compreender que quem está em desvantagem no confronto armado contra o crime organizado é o agente, porque tem muito a perder e deve esperar o primeiro tiro (que pode ser fatal) para contra-atacar.
O povo e o Estado vivem uma relação de amor e ódio. Um mendigando o que lhe é de direito e penando socialmente, e o outro se omitindo quanto ao cumprimento de suas obrigações, das leis que cria para ludibriar o cidadão, desconsiderando sua necessidade.
O que dizer da Constituição? A justiça, assim como o Estado, depende da polícia para ter suas ações legitimadas; ações judiciais e estatais seriam validadas frente ao povo por quem, senão pela força policial? Porém, nem juiz nem governador veem isso, e – se veem – fingem não ver. Há muito, a polícia não tem o respeito da população, jamais teve do Estado, porque patrão não respeita empregado nem justiça nenhuma comunga com ela. É uma relação triangular contraditória e injusta e a corda sempre arrebenta do lado mais fraco; neste caso, de quem não pode se manifestar porque contraria o regimento.
Razão QUATRO: Os Direitos Humanos. Policial militar é militar, não é humano. Quando começa a vida de militar ainda aluno-recruta, é tratado por bicho. Na intenção de recrudescer a ‘pessoa civil’ para torná-lo ‘um militar de verdade’, o treinamento beira a inconsequência desumana; são pressões psicológicas, situações de estresse físico, humilhações e outras torpezas, buscando preparar o recruta para a vida a pronto, para poder estar frente a frente com o perigo e não amarelar nem colar as placas. O que resulta disso tudo, em alguns casos, se vê pelas ruas e nos noticiários. O militar passa a não ser humano e a viver entre eles. Talvez seja por esse motivo que quando um deles é trucidado, faz-se o enterro, dá-se uma salva de tiros e se põe a farda em outro. Muitas vezes a morte de um agente passa em branco.
O jornalismo não acha interessante relatar o fato de um qualquer fardado e a serviço do Estado (recebe para isso) ser assassinado, às vezes com requintes de crueldade, e os Direito Humanos jamais se manifestam. Entretanto, se morre um vagabundo, viciado, traficante, ladrão ou assassino, esse logo vira estudante, e o policial bandido fardado. Os Direitos Humanos se põem na defesa do ‘ser humano’, o povo julga a polícia e os juízes batem em seus birôs e proferem falas do alto de suas magistraturas impecavelmente incorruptíveis e condenam a instituição à desmoralização.
Quinta e última razão (para não entristecer mais): a valorização. Quanto vale a vida de um juiz? A de um professor? Quanto vale a de um trabalhador da indústria petrolífera, que corre perigo constante de acidente? Quanto valem a saúde e a vida de quem trabalha com radiação e outros produtos químicos? Quanto vale a vida de um político, de um gerente de banco? E a de um policial militar? É certo que definir valor para a vida de quem quer que seja é impossível. É certo também que cada um tem sua parcela de colaboração na construção de uma sociedade justa e ambiente habitável. Mas, o que justifica um juiz ganhar infinitamente mais que um professor? A partir desse questionamento surgirão muitas respostas nas cabeças de todos, que se explicarão com base em fatores como formação, cargo, investimento e etc. Mas, o que justifica tal disparidade? Um juiz é graduado, é doutor, estuda muito e sua educação escolástica teve origem numa escola, reduto do professor, que também é graduado, doutor, estuda muito, lida na relação interpessoal com o alunado e forma cidadãos. O que o faz inferior? Por que um professor pós-doutor (e que forma juizes) não ganha metade do que um juiz?
No juramento de formatura da polícia, o agente diz defender a sociedade ainda que com o sacrifício da própria vida. Quanto vale esse sacrifício? Um juiz se sacrificaria pelo salário que ganha? E os políticos, se tivessem que morrer em nome do benefício popular, assim o fariam? A valorização da força policial tem que começar na própria instituição, o comando tem que se ater a PESSOA do militar e não com o vinco da farda ou a cobertura. Isso é secundário. A valorização pelo estado e pela justiça é utópica, mas seria a ideal. O povo? Esse nunca vai valorizar quem o reprime. Se alguém invade sua privacidade, logo pensa na ajuda policial; a polícia – nesse instante – é tudo que ela mais precisava. Se protesta, e o governo convoca a polícia; aí o diabo vira anjo e os praças, diabos. E se tornam as mais repugnantes criaturas do mundo. Em suma, o serviço policial é em si contraditório e nunca se ajustarão as relações entre Estado, povo e polícia. A base da valorização do trabalhador é um bom salário, que faça valer o tempo e o esforço que dedica à prática laboral, no caso do policial, que faça valer o risco. Caso contrário, não é justo.
O que consola é que a fé e a esperança são bases da existência humana. E, queira ou não, o militar é HUMANO, escondido atrás de uma farda (indumentária institucional apenas), mas é humano e também as traz em si, e são elas que os faz continuar, ainda que com todos os impedimentos. E tais virtudes fazem o militar crer que alguém, algum dia, vai ter uma luz e acordar para a sua situação e mudar tudo, para melhor. E ninguém mais vai ter razão para detestar ser da Briosa.
Andréia Borges
Diário de PM/BM
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