Em uma pequena delegacia de uma pequena cidade de um pequeno estado de um pequeno país, o soldado tirava mais um dia de serviço. Além de suas atribuições legais, ele exercia outras funções que não eram suas obrigações mas realizava por não haver quem o fizesse, não dispunha de outra escolha. Desse modo, suas tarefas se acumulavam e compreendiam em vigiar os presos, atender os chamados da população e ainda realizar o patrulhamento pelas nem tão pacatas ruas do município.
Às vezes, ele contava com o auxílio de outro policial, afinal dois homens parecem mais do que o suficiente para satisfazer a demanda local (pelo menos era isso que seus superiores acreditavam, já que nunca se empenharam em melhorar a situação). Sempre que havia algum chamado, eles fechavam a delegacia, torciam para que nenhum dos detentos fugisse e saíam para resolver as mais diversas ocorrências. Entre as mais comuns: marido embriagado agredindo esposa submissa e o dito “cidadão de bem trabalhador” que gosta tanto de ouvir música que acredita que seus vizinhos também devam compartilhar de suas preferências musicais.
Um dia os policiais receberam a informação que estava acontecendo um roubo. Como de praxe, trancaram o prédio e seguiram em busca dos ladrões. Durante esse tempo, o telefone da delegacia tocou inúmeras vezes e algumas pessoas apareceram no local e se depararam com as portas fechadas. “Absurdo! Em pleno expediente a delegacia sem ninguém para nos atender.” Algum cidadão – com toda razão – queixou-se com um vereador, que repassou a reclamação para o prefeito, que por sua vez conversou diretamente com o comandante de policiamento da região, que prometeu resolver o problema imediatamente. Eis a solução:
- Trim – toca o telefone.
- Delegacia, bom dia!
- Alô? Aqui é o coronel Titânio*. Que história é essa da delegacia fechada em horário de expediente? Quando o telefone tocar é pra alguém atender!
- Mas coronel, o senhor sabe que falta efetivo. Quando ninguém atende o telefone é porque saímos pra atender alguma ocorrência ou para realizar o patrulham…
- Não interessa! – interrompe as justificativas do soldado.
- Eu quero alguém 24 horas na delegacia.
- Coronel, como é que vamos atender os chamados sem nos ausentar da DP?
- Dê seu jeito! Não quero mais saber de reclamação do prefeito por causa disso, entendido? – finaliza o comandante.
- Sim, senhor! – submete-se o soldado à ordem de seu superior, pois sabe que não adianta retrucar.
Mais revoltados ainda, os policiais decidem seguir as ordens à risca. Não saem da delegacia durante todo o plantão. Logo surge uma nova reclamação quando populares solicitam a presença da polícia. Dessa vez, protestavam porque os dois soldados disseram que não poderiam atender o chamado, pois tinham ordens expressas de não abandonar o posto de serviço, até porque a ausência de vigilância poderia resultar numa fuga dos presos.
- Quer dizer que vocês não vão lá?
- Não podemos, se formos podemos ser punidos. Porque somos apenas dois. É muito arriscado apenas um atender a ocorrência e como se sabe não podemos deixar a delegacia sem ninguém. Sendo assim…
- Isso é um absurdo! Vocês passam o dia inteiro nessa delegacia sem fazer nada e ainda se negam a atender uma ocorrência! Eu vou denunciar vocês, vou levar essa situação à imprensa. Quero ver só vocês não trabalharem.
- Faça isso! Nos ajude, se a gente reclamar é provável que venha alguma represália do comando. Mas você que é civil pode denunciar. Aposto que se essa situação aparecer na televisão no outro dia mandam mais homens para cá. Quem sabe vem até armamento e uma nova viatura.
O cidadão saiu resmungando, mas até hoje não se sabe de qualquer reportagem sobre o policiamento (ou a falta dele) na cidade.
Atenção! Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, fatos, lugares e pessoas terá sido mera coincidência.
Diário de PM/BM
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