sábado, 21 de julho de 2012

A vontade de punir não pode ser maior do que a de fazer justiça




Por: José Ricardo

Meu nome é Mike Walkier. Moro no planeta Vênus e sou funcionário de uma grande empresa, a qual tem mais de 40 mil funcionários na ativa.




Há alguns dias, estava eu lendo as publicações oficiais da empresa, especialmente as que tratam dos recursos interpostos pelos funcionários em vista de alguma punição. Confesso que há muito não lia essas publicações, pois em seu teor cansei de perceber parcialidade e injustiças. Mas lá estava eu lendo os “diários oficiais” da empresa...



Bom, os atos da empresa devem ser motivados. O diretor não pode decidir sob o argumento de “não, porque não”, ou do “não, porque não quero”. Pelo princípio da motivação, o diretor deve decidir explicitando as razões de fato e de direito. Esse princípio foi criado pela Constituição Estadual Venusiana para evitar arbitrariedades. Diz uma máxima que, "num Estado Democrático de Direito, o que impera é a vontade impessoal da Lei, não a vontade individual da autoridade julgadora." Trazendo essa máxima para o princípio da motivação, temos que os mandamentos da Lei estão acima da vontade individual do diretor.



Ocorre que a empresa está usando o princípio da motivação de maneira ardilosa, torpe, vil, insidiosa. Eu fico indignado quando percebo esses tipos de “manobras”. Por isso não lia os “diários oficiais”. Não consigo dormir revoltado.



Eu poderia citar muitos exemplos dessas “manobras”, dessa deturpação ou até falta de motivação, mas vou citar apenas dois.



O Tribunal Trabalhista Venusiano, mediante decisão de seus magistrados, decidiu que a pretensão da empresa de punir o funcionário prescreve em dois anos a contar da data do fato. Nesse sentido, já existe uma Declaração de Inconstitucionalidade, uma Uniformização de Jurisprudência e uma série de decisões. Em face desse prazo prescricional, muitos funcionários interpuseram, no âmbito interno da empresa, recursos visando a anulação do ato punitivo. Ocorrendo, de fato, a prescrição, presumir-se-ia que a empresa deferisse os recursos, declarando sem efeito a punição, certo? Certo, presumir-se-ia... Contudo, a empresa indefere todos os recursos. E sabe como ela motiva essa decisão? “Motiva” baseando num trecho de um voto de um magistrado num único julgamento. Ora, isso não é motivação. É manipulação, “jogo sujo”, uma afronta ao Estado Democrático de Direito, uma maneira ardilosa, desarrazoada, para indeferir os recursos. Eu já disse, mas não custa nada repetir, que já existe uma Declaração de Inconstitucionalidade e uma Uniformização de Jurisprudência dispondo de forma clara, inequívoca e incontestável que a pretensão de punir o funcionário prescreve em dois anos a contar da data do fato. Mas, ao que parece, contrariando a Justiça, a empresa não quer reconhecer que foi ineficiente e incompetente em não punir, efetivamente, o funcionário em dois anos. E dois anos é muita coisa... É prazo mais do que suficiente...



O exemplo acima demonstra uma maneira oblíqua de motivar os atos. No exemplo a seguir, creio que nem se possa chamar de motivação. Vejamos. O funcionário é acusado de violar uma norma da empresa. Ele se defende, argumentando razões de fato e de direito. Pelo princípio da motivação, esperar-se-ia que a empresa rebatesse, refutasse, todos os argumentos suscitados pelo acusado, certo? Certo, esperar-se-ia... Todavia, não é isto que vejo. O que vejo é um cômodo e arbitrário CTRL+C e CTRL+V: “As alegações do acusado não se enquadram nas causas de justificação e não elidem as acusações a ele imputadas”. Eu pergunto: Isso é motivação? Isso é refutar? Ou é copiar e colar? Estranho, porque existe uma resolução da própria empresa que preceitua que todos os argumentos alinhavados pela defesa devem ser rebatidos. Copiar e colar érebater. Talvez seja, sim, rebater; rebater para bem longe, para décadas passadas, decadas ditadoriais...



Às vezes, eu me pergunto: Será que os diretores da empresa não temem incorrer no crime de improbidade gerencial? Mas logo eu chego a conclusão de que eles não se preocupam, pois vão alegar que os atos decisórios foram devidamente motivados. Motivados? Dessa forma oblíqua? Brincadeira... Onde está a seriedade da empresa? Onde está o respeito ao Estado Democrático de Direito?



Quem transgrediu as normas deve ser punido. Tenho para mim que fazer justiça não é “passar a mão na cabeça” nem acobertar os erros de quem quer que seja. Porém, a punição deve se dar em conformidade com a Lei, com o Direito. A vontade de punir jamais pode ser maior do que a de fazer justiça. De outra forma, estaríamos voltando aos tempos fascistas.



Outro dia, eu e dois funcionários estávamos conversando sobre os processos e procedimentos punitivos da empresa. Concluímos, por unanimidade, que a maioria desses expedientes tem algum vício de forma ou de direito, de maior ou menor proporção. Alguns estão completamente eivados de vícios e teriam que ser declarados nulos “ex-ofício”. Mas não são. Sabe por quê? Primeiro, porque a empresa é intransigente em admitir seus próprios erros, sua incompetência e sua ineficiência. Segundo, porque a vontade de punir é maior do que a de fazer justiça.



A vontade da empresa de punir é tão grande que ela excede o direito de regulamentar e passa a legislar, o que lhe é defeso. A empresa não pode legislar; pode apenas regulamentar. Mas legisla, e legisla em manifesta afronta à Carta Magna Venusiana e à legislação infraconstitucional. Legisla, muitas vezes, de forma absurda, violando princípios que ela deveria observar, como os princípios da impessoalidade, da razoabilidade, da moralidade, da eficiência, etc.



A empresa subestima a inteligência de seus funcionários... Ela acha que somos cegos. Não, não somos cegos. Fomos adestrados, nos cursos, a ficar sempre calados, a baixar a cabeça e dizer sempre “muito obrigado.”



Minha mãe me dizia: “Filho, se é para fazer, então faça bem feito.” Eu digo para a empresa: Se é para punir, puna respeitando a Carta Magna Venusiana, a legislação, o devido processo legal, as formalidades convencionadas, a Justiça, os princípios da ampla defesa e do contraditório. Puna motivando a decisão, explicitando os fundamentos de fato e de direito, refutando coerentemente as teses da defesa. Não manipule, não faça “jogo sujo”. Haja com probidade. Se for para fazer, que faça bem feito. E se errou, se foi incompetente, ineficiente, admita! A vontade de punir não pode ser maior do que a de fazer JUSTIÇA!



Nota: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, fatos e lugares são frutos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Qualquer semelhança com fatos reais ou qualquer pessoa, viva ou morta, é mera coincidência.



"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.




Diário de PM/BM

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