Fui jogado como um saco de batatas no
porta malas do opalão. O carro começou a rodar e logo percebi, no solavanco das
lombadas, que ainda estávamos na cidade. A velocidade não era alta. Creio que
não queriam chamar a atenção das patrulhas. Tentei em vão, através do barulho
das ruas, saber onde estávamos. Mas os putos estavam andando pelos bairros.
Comecei a pensar em alternativas.
Consegui
passar minhas mãos, que estavam amarradas com uma corda às costas, para frente
do meu corpo. Levei longos minutos e um suador do caralho. Percebi que deveria
fazer um regime, perder um pouco dos matambres e toucinhos que dificultaram
demais meus movimentos. O próximo passo foi usar a boca para desamarrar a
corda. Quem nunca foi escoteiro jamais saberá dar um nó direito, apenas nó
cego.
Enquanto me desvencilhava da corda,
pude ouvir o diálogo de dois algozes, o que me levou a crer que os outros dois
não estavam presentes. Finalmente o carro parou. O motor foi desligado e os
grilos se fizeram ouvir. O barulho da chave abrindo o porta malas me deixou em
alerta. A pancadaria iria recomeçar.
- Atira! – Gritava o Secão.
- Não dá. Não tem bala.
Mal terminei de falar e vimos que da
boate vinha uma turma correndo e que não eram nossos amigos. Demos meia volta e
voamos em direção à minha casa com os gritos de “pega” ressoando em nossos
ouvidos. Perdemos o Pompeo de vista e o Bêlo já não estava mais na esquina. Quando
entramos no portão de casa, as putas estavam todas na porta querendo saber o
que estava acontecendo.
- Sai da frente! – Gritei, já as
empurrando para dentro.
Corri até meu quarto e achei um único e
bendito cartucho que logo coloquei no tambor do oitão e fui até a porta. Nunca
a expressão “salvo pelo gongo” fez tanto sentido. Neste caso foi “salvo pela
bala”. Quando o bando já chegava a meu portão, só deu tempo de gritar “vem que
tem “ e apertar o gatilho.
A reação foi instantânea. Freadas de
tênis se fez ouvir na calçada ao mesmo tempo em que os vagos voltavam em
disparada. Não perdi tempo e saltei na rua e comecei a gritar:
- Voltem aqui seus putos. Bichinhas de
merda. Eu vou matar vocês.
- Mata eles cara! Mata! – gritava o
Secão balançando o facão no ar.
Em seguida o Pompeo, acompanhado do
Bêlo que estava com o olho mais roxo que casca de berinjela, apareceram dentro
de uma viatura.
- Sai daí porco. Tá na hora do recado
principal.
Com as mãos para trás, fui ajudado a
sair do porta malas. Ajudado é modo de dizer. Me arrancaram com um puxão. Quase
fui ao chão quando toquei meus pés no capim alto. Fiquei de frente para os dois
– como suspeitei, vieram apenas dois, o grandão e um sequinho – e esperei para
ver o que iria acontecer.
Quando o grandão, que se achava o mais
macho de todos, deu um passo em minha direção, com a mão levantada, pronto para
me descer a porrada, acertei seu maxilar com a chave de rodas que tinha
escondido às costas.
Uma coisa eu aprendi na polícia depois
que um vagabundinho conseguiu fugir de dentro da viatura e me deu um trabalho
enorme para recapturá-lo. Nunca tire os olhos de um preso, jamais.
Não foi preciso dar a segunda porrada,
os joelhos do grandão amoleceram e aquele corpanzil despencou como uma árvore
centenária após o ataque de uma motosserra. Quanto maior a altura, maior a
queda. Olhei para o sequinho que tentou sair correndo. Não chegou a dar dois
passos. Acertei sua nuca com tamanha violência que seu corpo fez uma pirueta
antes de cair inerte. Sua perna direita tremia, em espasmos, como uma galinha
desnucada. Revirei os bolsos de sua jaqueta e achei o maço de cigarros. Estava
“tisgo” por uma tragada e nem me importei com o gosto de capim seco daquele
cigarro paraguiaio.
Vasculhei o interior do opalão e
encontrei minha sacola com as cervejas e os cigarros. Meu celular também estava
lá. Liguei para Camila e contei o que estava acontecendo.
Tão logo eles desceram da viatura eu
embarquei. Falei aos colegas de serviço que tentaram nos matar. Largamos com
sirene liga e tudo atrás da turma. Quatro quadras depois abordamos a turma. O
nanico estava com o desenho do meu 38 tatuado na sua cara. Foi o primeiro a
querer reclamar para os colegas que havia apanhado. Um tabefe de direita o fez
calar a boca.
Meus colegas não pouparam os bastões.
Tem esse lance de corporativismo em tudo quanto é canto. Na polícia é mais
forte, se meter a mão com um, é o mesmo que meter com a corporação inteira.
Ainda mais se o cara é vagabundo e pertence a alguma gangue, como foi o caso. O
resultado, além de alguns ossos quebrados, foi a proibição de frequentarem
aquele lado da cidade.Depois de despachar a gangue, os colegas me deixaram em
casa e levaram o Bêlo ao hospital para ser medicado. Sem registro nem porra
nenhuma. Era assim que funcionava.
Já passava das cinco da madrugada e eu
tinha que estar as seis no quartel para assumir o turno de serviço. Coloquei
minha farda enquanto a puta dormia em cima da minha cama. Não pensei duas
vezes, fardado mesmo, me joguei em cima daquele corpo para terminar a trepada
interrompida. Cheguei atrasado ao quartel. Mas como era final de semana, não
houve cobranças. Quer dizer, a única cobrança que houve foi nove meses depois.
Continua......
Por:
Roberyk
Diário
de PM/BM
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