terça-feira, 29 de maio de 2012

Os desejos de um bombeiro...






Desejava que pudesses ver a tristeza de um homem de negócios quando o trabalho da sua vida desaparece em chamas, ou a de uma família que regressa a casa e a encontra danificada ou destruída.



Desejava que pudesses saber o que é procurar crianças num quarto a arder... As chamas por cima da tua cabeça, as palmas das mãos e os joelhos a queimarem enquanto tu rastejas... O chão a ranger com o teu peso enquanto a cozinha arde debaixo de ti.

Desejava que pudesses compreender o horror de uma esposa quando ás 3 da manhã percebe que o marido não tem pulso… início o suporte básico de vida na mesma, esperando uma hipótese muito remota de trazê-lo de volta… sabendo instintivamente que era tarde demais, mas querendo que a família soubesse que tudo o que era possível foi feito.

Desejava que pudesses conhecer o cheiro único de uma queimadura, o gosto da saliva com sabor a fuligem… sentir o intenso calor que passa através do equipamento, o som dos estalos das chamas, a sensação de não conseguir ver absolutamente nada através do fumo denso… sensações que se tornaram muito familiares para mim.

Desejava que pudesses compreender como nos sentimos ao ir para o trabalho de manhã, após passarmos a maior parte da noite suando com o calor de diversas chamadas de fogo…

Desejava que pudesses ler o meu pensamento quando respondo a uma chamada para um edifício a arder: “Será falso alarme ou um enorme incêndio? Como será a construção do edifício? Que perigos esperam por mim? Estará alguém lá dentro ou saíram todos?”

Ou para uma chamada de socorro: “O que se passará com o doente? Será que a pessoa que telefonou está mesmo em apuros, ou estará à minha espera com uma arma?”

Desejava que pudesses estar na sala de reanimação quando o médico decide anunciar a morte de uma linda menina de cinco anos que tentei salvar durante os 25 minutos anteriores, e que nunca irá ter o seu primeiro namorado, nem nunca mais irá dizer; “Gosto muito de ti, mãe”.
Desejava que pudesses saber a frustração que sinto na cabina do auto tanque, quando o motorista pisa o acelerador a fundo e eu toco a sirene vezes sem conta porque não se consegue passar por um cruzamento ou no meio do trânsito. Quando vocês precisam de nós, no entanto, o primeiro comentário quando chegamos será: “levaram tanto tempo a chegar”…

Desejava que pudesses ler os meus pensamentos enquanto ajudo a retirar os restos mortais de uma jovem do seu veículo contorcido. “E se fosse a minha irmã, a minha namorada ou alguma amiga? Qual será a reação dos seus pais quando abrirem a porta e virem os polícias?”

Desejava que pudesses saber como é entrar em casa e cumprimentar a família, não tendo coragem para lhes dizer que quase não voltei da última chamada…

Desejava que pudesses sentir os meus sentimentos quando as pessoas verbalmente, e ás vezes fisicamente nos maltratam ou subestimam o que fazemos, ou quando tem a atitude “isto nunca me aconteceria”…
Desejava que pudesses perceber a instabilidade mental, emocional e física provocada por refeições perdidas, sonos perdidos e pela falta de atividades sociais ligadas a todas as tragédias que os meus olhos já viram.

Desejava que pudesses compreender como nos sentimos quando temos uma criança a puxar-nos o braço e a perguntar “a minha mãe está bem?” e nós não conseguimos sequer olhá-la nos olhos sem deixar cair umas lágrimas, e não sabemos o que responder.

Ou ter de segurar um amigo de longa data enquanto o seu companheiro vai na ambulância em estado muito grave, sabendo de antemão que ele não trazia cinto de segurança posto “sensações que se tornaram muito familiares…

A menos que tenhas vivido este tipo de vida, nunca conseguirás entender verdadeiramente ou apreciar quem eu sou, o que nós somos ou o que o nosso trabalho significa realmente para nós.

O bombeiro não precisa de notoriedade, precisa sim, de reconhecimento.





Diário de PM/BM

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