“Durante a batalha não se estuda. Nela, simplesmente
faz-se o que se pode para aplicar o que se sabe. Por isso, a fim de se fazer um
pouco, precisa-se saber muito, e saber bem.” - Marechal Foch
Onde está
escrito?
Destemidos
integrantes da Military Police encontravam-se na entrada de um Pronto Socorro
conduzindo um indivíduo por ter ele violentado a própria filha. Enquanto os
policiais esperavam a menina ser examinada pelo médico, o soldado Bruce
afirmou, com convicção, aos militares das duas guarnições que efetuaram a
prisão do crápula cidadão infrator:
- A
diferença entre o estupro e o atentando violento ao pudor é que, no estupro,
ocorre a introdução do pênis na vagina, e, no atentado violento ao pudor, a
introdução é no ânus.
O
sargento Mike perguntou:
- Onde
está escrito isso?
- Foi um
professor que me falou no curso.
Mike não
iria perder a oportunidade de filosofar.
- Ah, o
problema é este... A gente anda confiando demais no que os outros dizem. Tenho
certeza de que você não pegou o código penal para confirmar o que o professor
te disse. Tenho certeza. Se tivesse procurado saber onde estava escrito, iria
concluir que esse professor está totalmente equivocado. O estupro é a conjunção
carnal mediante violência ou coação, e é a conjunção carnal que consiste na
introdução do pênis na vagina, agora... O que você disse sobre o atentado
violento ao pudor não tem nada a ver. O atentado violento ao pudor é qualquer
ato libidinoso diverso da conjunção carnal, o que não se limita apenas a
introdução do pênis no ânus. É qualquer, qual-quer ato libidinoso diverso da
conjunção carnal.
- O
senhor tem certeza, sargento? O professor me disse isso no curso...
- Lógico.
O professor te disse e você acreditou. Isso é comum, e acontece com você e com
quase todo mundo. Até comigo. E isso é um erro, principalmente para
profissionais que, a exemplo de nós, lidam no ramo do direito. Tem muito
professor ensinando coisas erradas, talvez coisas que ele também só ouviu falar
e nem procurou confirmar a veracidade da informação. A mídia então é mestre em
divulgar informações erradas. E o problema é que muitos acreditam. Nesta vida,
nós temos que praticar a arte de duvidar. Onde está escrito? Esta é uma pergunta que a gente sempre tem
que fazer quando alguém nos apresenta uma informação nova.
“Ontem
mesmo, minha mãe estava falando equivocadamente sobre uma passagem do
evangelho. Aí eu perguntei pra ela: ‘Onde a senhora leu isso?’ Ela me
respondeu: ‘Foi um padre que me disse.’ Aí eu peguei a bíblia e mostrei pra ela
que o que ela estava dizendo não era verdade. Talvez o padre tivesse falado
aquilo com boas intenções, mas não era verdade. Vou dar outro exemplo. Minha
mãe é católica fervorosa. Um dia eu perguntei pra ela: ‘A senhora já leu todos
os quatro evangelhos?’ Ela me respondeu, sem nenhum constrangimento: ‘Não, eu
começo, mas depois eu canso. Já li alguns trechos, mas todo, não.’ Acontecia
que ela só acreditava nos padres e nos programas católicos de televisão. Não
tinha opinião própria. Vivia na base de informações de terceiros. E isso também
acontece em nossa profissão. Quantos policiais nunca leram o código penal?
Quantos policiais somente andam acreditando no que dizem os professores e
instrutores? Isso pode ser culpa da instituição? Talvez sim. Realmente seria
muito bom que em todos os Departamentos de Polícia tivesse um código penal
atualizado e acessível aos policiais ponta de linha; melhor ainda, seria bom
que fosse pago a todas as guarnições um compêndio de legislação. De toda forma,
pra advogado nenhum nos passar pra trás, nos dá chapéu, a gente não pode deixar
de perguntar pra gente mesmo: “Eu já li isso? Onde está escrito?”
A conversa prosseguiu, tomando, depois de certo
tempo, outros rumos.
Autor: José Ricardo
Autor: José Ricardo
Nota: Esta é
uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.
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