sábado, 23 de março de 2013

A Morte Me Espera Na Esquina




- Bate! Pode bater. Mas bata como homem. É só isso que consegue? Minha cadelinha bate mais forte.

 

Cuspi uma bola de sangue após o quinto soco na boca. A essa altura do campeonato eu já estava amortecido de tanta porrada e já não tinha expectativas de sair ileso.

 


Se tivesse um mínimo de sorte, sairia vivo, o que seria um lucro enorme diante da situação. Eles eram quatro, se fossem três eu até daria conta, mas quatro é covardia. O jeito era esperar o momento certo e aguentar o máximo possível aquelas porradas.

 

**

 

Sempre fui osso duro demais para roer e absorvia os socos de um jeito que irritava qualquer um. Devo agradecer às inúmeras brigas travadas nos tempos de colégio, onde começou minha fama de Iron Man e que se estendeu pela adolescência nas noites em que sempre tinha um filho da puta corneado para puxar briga.

 

É, fui moldado assim, no meio da violência, na luta por território e pela afirmação como macho. Nunca fui de procurar encrenca, mas nunca fugi de uma. O sempre foi o Secão, meu amigo de infância e parceiro de muitas aventuras urbanas, que sempre foi um para-raios que atraía os olhares dos mais variados vagabundos, geralmente quando ele dava uns pegas nas mulheres dos outros caras. Teve até uma vez que fomos levar umas putas para casa e na volta um desmiolado desembestou de querer brigar, do nada. Logicamente que a porrada comeu frouxa.

 

Quando conseguimos uma 7.62 a coisa piorou, para os outros é claro. Geralmente a pistola ficava comigo, como último recurso, quando o diálogo se dava com paus, pedras, porretes, facas e facões. Nunca pensei duas vezes ao atirar. A parte mais linda era ver os bonecos queimando sola tentando fugir.

 

O troço todo parou, em partes, quando entrei para a polícia. A pancadaria assumia proporções um pouco maiores e o pipoco era mais violento.

**

A porrada na orelha doeu. Essa doeu pra caralho. Olhei para o grandão e sorri.

- A bicha tá perdendo a força? Tua mulher tem a mão mais pesada.

Mais um soco atingiu minha têmpora. Vi estrelas. O grandalhão babava feito um Pitt Bull. Estava descontrolado, do jeito que eu queria. Um homem com raiva não sabe bater, deixa a testosterona tomar lugar dos neurônios. Desses nunca tive medo.

 

- Se a biba me soltar eu posso ensinar como é que um macho bate. Aposto que você gosta de levar tapinha na bunda quando tá dando o rabo.

 

Mais um soco que atingiu a cabeça. Notei que o grandalhão estava cada vez mais fora de controle e já não desferia s golpes como antes. Um cara desses não saberia nem bater um punheta direito. Porrada tem que ser calculada, tem que ser como o “caminho para a redenção”, meu mais perfeito tapa, o que derruba, o que humilha qualquer vagabundo. Por isso me chamam de Conde, Vlad ou Vamp, apelido dado por um colega após presenciar um desses tapas que deixou o vago desmaiado por cinco minutos com a boca cheia de sangue.

 

Você pode quebrar um homem a pauladas, a socos, chutes. Um tapa na cara dói mais que qualquer coisa. Fere a masculinidade, humilha, faz a pessoa se sentir rebaixada, indefesa.

 

Os outros três apenas observavam. Calculei que tinham ordens expressas que deveriam cumprir à risca. O primeiro estava cuidando o movimento pela janela do porão. O segundo vigiava a porta. O terceiro estava no lado de fora e o grandalhão fazia o serviço. Todos usavam capuz para não serem reconhecidos. O que os putos esqueceram, e isso é coisa de vagabundinho barato, foi de esconder as tatuagens vagabundas de vagabundo vileiro nos braços.

 

De uma coisa eu tinha certeza. Não me queriam morto. Aquilo era um aviso. Um recadinho de traficantezinho viado dessa porra de cidadezinha. Maldita hora em que fui comprar cigarro e cerveja. Eu deveria ter desconfiado do Opala preto parado na esquina do posto de combustível. Vacilo mesmo.

 

**

 

Bonita foi a noite em que deixei o desenho de um 38 na cara de um vagabundo da Castelarin. Na época eu já estava na polícia e era solteiro. Meu irmão havia viajado com a noiva e eu estava com a casa toda só para mim. Não pensei duas vezes e chamei o Secão, o Bêlo e o Pompeo para a noitada. A boate ficava pertinho de casa, apenas duas quadras de distância. Naquela época eu andava com um oitão inox de duas polegadas, cano reforçado, uma joia. Fomos para a boate e arrumamos umas putas para levarmos para a minha casa. Tive o cuidado de tirar a munição do teco para evitar acidente. Muita gente na casa, muito álcool, muita farra.

 

O Secão foi para um quarto com uma garota e eu fui para outro. O Pompeo e o Bêlo ficaram para trás. Mal deu tempo de começar a trepar quando o Pompeo chegou correndo falando que tinham batido no Bêlo. Coloquei a primeira calça que vi na frente e passei a mão no oitão. O Secão deu de mão num facão e fomos para a esquina.

 

**

Quando saí do posto, o Opala não estava mais na esquina. Não me preocupei, ascendi um cigarro e saí caminhando pela avenida. Minha casa ficava duas ruas acima. Notei que um carro descia com os faróis em luz alta. Baixei os olhos para evitar o ofuscamento. Só deu tempo de ouvir o barulho da freada e acordar amarrado nessa cadeira.

 

- Tu anda fuçando onde não deve.

 

- Sério? Não sabia que a vadia que me chupou era tua mulher.

 

Outro bofete, dessa vez ele usou a mão esquerda.

 

- Tua sorte é que o chefe não deu ordem para te matar. Mas fica avisado.

 

- Estou morrendo de medo. Faz um favor? Tenta fazer uma voz de macho. Fica feio uma bicha do teu tamanho falando fininho.

O soco na costela me tirou o ar. Quando recobrei o fôlego, o magricelo do lado de fora entrou.

 

- Vamos abrir. O chefe ligou e mandou soltar esse puto no meio do mato.

 

**

Como eu disse, nunca procurei encrenca, mas quando pintava uma, sai da frente meu filho, nunca tire um polaco do sério. Chegamos à esquina e o Bêlo estava sentado numa escada, o olho direito parecendo uma uva passa. Tinha uns três carinhas ao redor dele. Já cheguei perguntando o que tava pegando ali. Um baixinho meio entroncado disse que só falava com a polícia.

 

- Tudo bem. Eu sou da polícia cara. O que tá rolando aí?

 

O nanico me olhou, de baixo para cima, e tentou completar a argumentação:

 

- O que tu quer alemão de mer...

 

Antes de ele terminar a frase, minha mão já descia em alta velocidade na direção de seu rosto. Deu para escutar o osso da face quebrando quando o aço inox bateu. Nunca fui alemão, como disse, sou polaco e tenho pavor de confusões geográficas.

 

O nanico rodopiou e caiu. Nesse instante já se formava a maior pancadaria. Não sei de onde saiu tantos facões e adagas. O Secão já estava dando estouros de facão no lombo de um. O Pompeo tava saindo no braço com um carinha que tinha uma adaga na mão. A correria começou para tudo quanto era lado. O nanico levantou do chão e me olhou com os olhos esbugalhados que ficaram mais arregalados ainda quando apontei o oitão e disse:

 

- Agora tu vai morrer seu puto!

 

Ele e outro comparsa saíram correndo em direção à boate enquanto o Pompeo corria atrás de outro no sentido contrário. O Secão balançava o facão no ar e gritava para mim:

 

- Atira cara! Atira.

 

Eu parei no meio da rua. Levantei o teco, mirei e puxei o gatilho.

**

 

Continua...

Por: Roberyk

Diário de PM/BM

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