Vista aérea do Morro Bumba, em
Niterói, no Rio de Janeiro (AE)
A
força do deslizamento de um milhão de toneladas de terra e detritos embaralhou
casas, carros, árvores, móveis e corpos no Morro do Bumba, em Niterói, de onde
foram recolhidos 34 mortos desde a noite de quarta-feira - em todo o estado do
Rio, já são 224 vítimas fatais.
As
dimensões sem precedentes da catástrofe representam um desafio até então
inimaginável para as equipes de resgate, mesmo com as experiências recentes das
buscas em tragédias como a de Angra dos Reis e Ilha Grande, no Réveillon, e do
terremoto no Haiti.
"É
um evento único, que certamente vai entrar para a história dos bombeiros. Nunca
houve um desabamento tão grande e com tantos mortos", explica o coronel
Ricardo dos Santos Loureiro, comandante do Grupamento de Busca e Salvamento
(GBS).
O
grupamento acumula missões históricas, como os resgates de três sobreviventes
nos escombros do Haiti, cinco dias após o terremoto de 7 graus na escala
Richter, um dos mais violentos já registrados em uma área habitada, e as
complexas buscas em Angra dos Reis e na Ilha Grande, no início do ano.
Mas
no desabamento do bairro Viçoso Jardim a violência da tragédia criou um cenário
sem qualquer semelhança com operações já realizadas no Brasil e no mundo.
"Estamos trabalhando sobre um local que simplesmente não existe mais.
Reunimos informações de moradores para saber os locais de uma determinada casa.
A
partir daí, estimamos que a construção tenha se deslocado 20 ou 30 metros com a
força do deslizamento. Corpos podem ter sido arrastados para ainda mais
longe", detalha Loureiro.
Comparar
o que se fez até agora no Bumba com episódios recentes da história da
corporação ajuda a entender a complexidade do trabalho das equipes em Niterói.
Na tragédia de Angra, a avalanche de terra e pedras que rolou morro abaixo
soterrou oito casas. No Bumba, a estimativa é de que este número pode chegar a
60.
As
escavações que os bombeiros conduziram, na catástrofe do Réveillon, começaram a
esbarrar em construções e corpos com três metros de profundidade. Em Niterói,
chega-se a cavar sete metros ou mais até encontrar sinais de prédios e vítimas.
"Todos trabalham numa torcida permanente para esbarrar em uma laje, uma
viga, um sinal de que não estamos cavando à toa naquele ponto", conta o
comandante do GBS.
A
estimativa é de que os trabalhos devem durar pelo menos mais duas semanas, mas
o tamanho da área a ser garimpada torna imprecisas as previsões. Até a
sexta-feira à tarde, só 5% da superfície da área delimitada para buscas havia
sido verificada. Pouco antes do início dos trabalhos da noite, o secretário
estadual de Saúde e Defesa Civil, Sérgio Côrtes, anunciou que um novo
levantamento aéreo seria feito no fim de semana para atualizar os cálculos do
planejamento das buscas.
Do
início da área desabada até o ponto aonde chegaram os escombros, nas ruas do
Viçoso Jardim, a extensão é de aproximadamente um quilômetro. A fenda aberta na
encosta tem algo como 50 metros de altura. É nesse campo repleto de incertezas
que retroescavadeiras e homens tentam achar os quase 200 desaparecidos. As
dimensões são só parte da dificuldade.
O
terreno impregnado de restos do lixão que funcionou no local até 30 anos atrás
exala gás metano, altamente tóxico e inflamável. O cheiro é tão forte que, na
sexta-feira, três cães farejadores levados para ajudar na procura de corpos
passaram mal e tiveram de ser retirados do local.
Para
o Grupamento de Busca e Salvamento (GBS), 2010 até agora foi como um plantão
permanente. "Não tenho a conta exata de quantos dias fiquei fora de casa.
Só tenho a medida do quanto minha mulher tem reclamado", relata,
resignado, o coronel. A insatisfação da mulher do comandante pode ser explicada
com um breve retrospecto das operações do GBS este ano. Depois de operações na
Baixada Fluminense e do plantão da virada do ano, Loureiro foi deslocado com o
GBS para Angra dos Reis no dia 1º de janeiro.
Lá
ficou até o dia 12. De volta a sua casa no Recreio dos Bandeirantes, o repouso
não durou 24 horas: no dia 13 o grupo foi mobilizado para embarcar para o
Haiti, onde permaneceu até 4 de março.
Desde
quarta-feira à noite, já exaustos por buscas em todo o estado por causa do
temporal que atingiu o estado na tarde da segunda-feira, 5, os homens do GBS,
com reforços de unidades de todo o Grande Rio, garimpam corpos no Morro do
Bumba, onde a terra revolvida exala ainda mais o gás metano. Quando drenado de
forma controlada o gás produz energia elétrica, como no Aterro Bandeirantes, em
São Paulo, e como se estuda fazer em Gramacho, no Rio. Em Niterói, por
enquanto, além do odor insuportável, sabe-se que o metano pode estar ligado às
causas do desabamento. Uma das hipóteses ainda em estudo é a de que a ruptura
do terreno teria sido auxiliada pelo impacto de uma explosão de um bolsão de
metano.
Para
quem está permanentemente tentando salvar vidas, por enquanto, responsabilidades
e causas da tragédia pouco importam. "Trabalhamos nas consequências, não
temos tempo para pensar nisso. Para nós, é indiferente nesse momento se a
tragédia foi causada por A ou B", diz Loureiro, que, apesar de reconhecer
as chances ínfimas de haver sobreviventes em uma catástrofe como a de agora,
evita a desesperança. "A literatura médica leva a desacreditar que, depois
de tanto tempo sem água e comida, sem ar, uma pessoa resista. Mas no Haiti
encontramos gente com vida depois de cinco dias. Equipes de outros países
fizeram resgates ainda mais improváveis, encontrando vida 15 dias depois do
terremoto, gente que sobreviveu graças ao milagre de estar em um bolsão de ar,
ou em um local onde havia algum alimento. Não podemos perder a perspectiva de
que nosso trabalho pode salvar vidas", ensina.
Fonte: Veja
Diário de PM/BM
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