Ao
se inscrever no concurso público para a carreira policial militar um jovem de
pouco mais de dezoito anos não faz ideia do quão árduo e difícil será sua vida
a partir daquele momento, no início só pensa no salário que lhe trará algum
benefício, estabilidade, respeito e algum tipo de status.
Todavia, passado o
curso de formação, onde viveu sob tensão vinte e quatro horas para fazer a
"passagem de cidadão comum", ou paisana, para um novo ser que ele só
conhecia de filmes de ação policial, que nunca comete erros, que não erra um
tiro, sempre honesto, um verdadeiro exemplo a ser seguido, ou seja o
"cidadão policial militar"; esse mesmo jovem, acredita piamente que
seus superiores hierárquicos os quais durante o curso de formação foram tão
próximos e os quais se mostravam tão empenhados em lhe ensinar o caminho
correto, eram inabaláveis, incorruptíveis e justos.
Após
o curso de formação fica um ar de saudade dos tempos de sala de aula, da
interação com os amigos alunos, das aulas práticas e dos instrutores, mesmo os
mais sádicos que lhe aplicavam castigos físicos, no sol, na chuva dentro da
vala, ou ainda, o humilhavam na frente dos colegas xingando o aluno policial
militar de bisonho, besta quadrada, moquiço, amarelo entre outros adjetivos
nada gracejosos, talvez a conhecida síndrome de Estocolmo explique esse
sentimento.
Ao
fazer o juramento para ingressar na carreira policial militar todos juram com a
mão direita levantada, que se dedicarão exclusivamente a profissão e darão a
vida se preciso for, entre outras coisas. Porém meses ou anos após viver o dia
a dia, da vida real fora da sala de aula ,este jovem se sente só, mesmo estando
no meio da tropa, vê que seu treinamento deveria ter sido melhor, que ele não
estava preparado de fato, pois perdera muito tempo, sendo humilhado e
satisfazendo os desejos sádicos de alguns superiores, e que agora com a prática
e a vivência percebe que algumas das aulas não foram tão bem ministradas ou se
quer tiveram algum sentido para a vida prática.
Passado
mais algum tempo, ele percebe que o seu salário não condiz com sua realidade,
com sua profissão ou se quer tem condições de manter uma sobrevivência digna;
percebe que seus superiores não ligam para seus problemas, sejam eles de ordem
financeira, psicológica, emocional ou de saúde; querem apenas que ele faça seu
trabalho, cumpra as ordens, sejam elas, legais, moral ou imoral, ou mesmo
absurdas sem ao menos reclamar, porque "policial não reclama, ele cumpre
ordens do mais antigo".
Nota
que o status imaginado era mesmo só imaginação, porque com o salario tão baixo,
morando tão mal, se vestindo e alimentando-se tão ruim quanto, percebe que o
status não existe, pois tirando a farda tão garbosa que ostenta durante o
serviço, este não difere de qualquer outro assalariado que sobrevive com tão
pouco fazendo um bico aqui e outro acolá, para ajudar na sub existência da
família; e com tal ato começa a notar que o juramento se perdeu em algum lugar,
junto com o orgulho que antes reluzia no olhar do mais novo integrante da
policia militar.
O
respeito é algo que perdura mas somente se este, já não tão jovem policial
militar, manter sua vida regrada abdicando das “facilidades” que vem com a
profissão; renegar a isso é motivo para se orgulhar, pois tendo várias
oportunidades e recebendo vários convites para "se dar bem" cometendo
alguma irregularidade, faz a justiça, mesmo sabendo que mais adiante o cidadão
infrator estará nas ruas por alguém ter facilitado.
Após
vários anos de serviço o cidadão policial militar já não está mais tão vibrante
como no início de carreira, pois viu várias injustiças acontecerem, com ele
próprio e com os companheiros, sente-se desprestigiado por fazer e ter feito
tanto, doando sua vida para elevar o nome da instituição que ele ama, e apesar
de tudo não ser valorizado; olha em volta e vê seus amigos com mais de vinte
anos de serviço que não passaram da graduação de cabo, que na atual situação
não ganham muito mais que um soldado que acaba de entrar, essa constatação lhe
traz tristeza e talvez arrependimento, pois como muitos, deixou de estudar por
causa do serviço, do bico, do estresse da profissão, do medo que o cerca de ser
morto em qualquer esquina, neuroses que se acumulam com o tempo de trabalho
operacional; alguns até se perdem no vício do jogo, do sexo ou das drogas, indo
parar no centro de correição após oito dias sem aparecer no trabalho sendo
acusado de deserção quando encontrado jogado dentro de uma vala bêbado,
machucado e drogado, um verdadeiro mal trapilho humano.
Visão
essa que causa indignação por ver no companheiro algo que pode vir a acontecer
com qualquer um após vários anos sendo desvalorizado, humilhado e sem apoio
psicológico ou de qualquer outra ordem da corporação que foi abraçada por
jovens sadios e sem vícios no início da profissão.
O
cidadão policial militar vivendo com tão pouco, convivendo com o desprezo dos
superiores hierárquicos que não o enxergam como ser humano, mas como apenas um
soldado e como tal não tem direitos, apenas deveres e caso não os cumpra,
sentirá o peso da caneta e com certeza a "grade lhe espera" causa
indignação.
A
vida profissional é mesmo árdua e difícil, e sem o apoio de quem estaria para
apoiar é mais difícil ainda, apesar da aposentadoria se aproximar o cidadão
policial militar muito pouco sabe dos seus direitos, não sabe ao menos fazer
uma defesa prévia, alegações finais uma parte que seja, pois tem coisas que só
é possível se aprender quando alguém ensina, esquecendo-se aqui dos
autodidatas.
Apesar
de ser um ótimo comandante de viatura e saber muito bem fazer um B.O, na hora
da ocorrência o policial militar tem várias dúvidas quanto ao que pode e não
pode fazer, em quem pode e não pode fazer abordagem, como, onde e quando fazer
uma prisão e para onde levar um menor infrator ou um cidadão infrator; dúvidas
essas provenientes do longo tempo sem fazer uma reciclagem, treinamento, e
quando julgado pelo erro cometido não pode alegar tais observações, pois, se
prega que foi ensinado na formação do policial militar a quase trinta anos
atrás e isso não se esqueceria.
Ao
tirar a farda, quando de folga o cidadão policial militar pouco se atreve a ter
um minuto de tranquilidade pois mesmo deixando a farda em casa, a farda não o
deixa, pois é reconhecido como sendo policial militar vinte e quatro horas, não
podendo se esquivar de um fato delituoso mesmo não estando de serviço e em
menor número, e caso não haja, ainda incorre em crime de prevaricação, omissão
ou qualquer outro artigo que o sagaz superior hierárquico consiga encontrar no
código penal militar ou no RDPM.
O
termo "estar de folga" para o cidadão policial militar não é uma
frase com sentido real, é apenas o momento em que ele tirou a
"armadura" e fica a mercê dos inimigos, pois, o policial militar não
sofre ameaça, vive sob ameaça e perigo constante, situação nada agradável
somada há tantos outros fatores da vida profissional causando stress elevado
podendo levar ao suicídio.
Na
verdade não é preciso levar uma vida inteira ou trinta anos de serviço para ver
a realidade dos fatos, basta apenas abrir os olhos e olhar para o lado, não
seja você apenas mais um cidadão policial militar entristecido, decepcionado ou
revoltado com a realidade desse abandono com o profissional, faça a diferença,
faça parte desta luta que surgiu para ajudar a quem precisa, e quem precisa
somos todos nós.
Autor: PM Botelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários - Regras e Avisos:
- Nosso blog tem o maior prazer em publicar seus comentários. Reserva-se, entretanto, no direito de rejeitar textos com linguagem ofensiva ou obscena, com palavras de baixo calão, com acusações sem provas, com preconceitos de qualquer ordem, que promovam a violência ou que estejam em desacordo com a legislação nacional.
- O comentário precisa ter relação com a postagem.
- Comentários anônimos ou com nomes fantasiosos poderão ser deletados.
- Os comentários são de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores e não refletem a opinião deste blog.