quarta-feira, 7 de novembro de 2012

"O policial militar em sua vida profissional"



Ao se inscrever no concurso público para a carreira policial militar um jovem de pouco mais de dezoito anos não faz ideia do quão árduo e difícil será sua vida a partir daquele momento, no início só pensa no salário que lhe trará algum benefício, estabilidade, respeito e algum tipo de status.
 
 

Todavia, passado o curso de formação, onde viveu sob tensão vinte e quatro horas para fazer a "passagem de cidadão comum", ou paisana, para um novo ser que ele só conhecia de filmes de ação policial, que nunca comete erros, que não erra um tiro, sempre honesto, um verdadeiro exemplo a ser seguido, ou seja o "cidadão policial militar"; esse mesmo jovem, acredita piamente que seus superiores hierárquicos os quais durante o curso de formação foram tão próximos e os quais se mostravam tão empenhados em lhe ensinar o caminho correto, eram inabaláveis, incorruptíveis e justos.

Após o curso de formação fica um ar de saudade dos tempos de sala de aula, da interação com os amigos alunos, das aulas práticas e dos instrutores, mesmo os mais sádicos que lhe aplicavam castigos físicos, no sol, na chuva dentro da vala, ou ainda, o humilhavam na frente dos colegas xingando o aluno policial militar de bisonho, besta quadrada, moquiço, amarelo entre outros adjetivos nada gracejosos, talvez a conhecida síndrome de Estocolmo explique esse sentimento.

Ao fazer o juramento para ingressar na carreira policial militar todos juram com a mão direita levantada, que se dedicarão exclusivamente a profissão e darão a vida se preciso for, entre outras coisas. Porém meses ou anos após viver o dia a dia, da vida real fora da sala de aula ,este jovem se sente só, mesmo estando no meio da tropa, vê que seu treinamento deveria ter sido melhor, que ele não estava preparado de fato, pois perdera muito tempo, sendo humilhado e satisfazendo os desejos sádicos de alguns superiores, e que agora com a prática e a vivência percebe que algumas das aulas não foram tão bem ministradas ou se quer tiveram algum sentido para a vida prática.

Passado mais algum tempo, ele percebe que o seu salário não condiz com sua realidade, com sua profissão ou se quer tem condições de manter uma sobrevivência digna; percebe que seus superiores não ligam para seus problemas, sejam eles de ordem financeira, psicológica, emocional ou de saúde; querem apenas que ele faça seu trabalho, cumpra as ordens, sejam elas, legais, moral ou imoral, ou mesmo absurdas sem ao menos reclamar, porque "policial não reclama, ele cumpre ordens do mais antigo".

Nota que o status imaginado era mesmo só imaginação, porque com o salario tão baixo, morando tão mal, se vestindo e alimentando-se tão ruim quanto, percebe que o status não existe, pois tirando a farda tão garbosa que ostenta durante o serviço, este não difere de qualquer outro assalariado que sobrevive com tão pouco fazendo um bico aqui e outro acolá, para ajudar na sub existência da família; e com tal ato começa a notar que o juramento se perdeu em algum lugar, junto com o orgulho que antes reluzia no olhar do mais novo integrante da policia militar.

O respeito é algo que perdura mas somente se este, já não tão jovem policial militar, manter sua vida regrada abdicando das “facilidades” que vem com a profissão; renegar a isso é motivo para se orgulhar, pois tendo várias oportunidades e recebendo vários convites para "se dar bem" cometendo alguma irregularidade, faz a justiça, mesmo sabendo que mais adiante o cidadão infrator estará nas ruas por alguém ter facilitado.

Após vários anos de serviço o cidadão policial militar já não está mais tão vibrante como no início de carreira, pois viu várias injustiças acontecerem, com ele próprio e com os companheiros, sente-se desprestigiado por fazer e ter feito tanto, doando sua vida para elevar o nome da instituição que ele ama, e apesar de tudo não ser valorizado; olha em volta e vê seus amigos com mais de vinte anos de serviço que não passaram da graduação de cabo, que na atual situação não ganham muito mais que um soldado que acaba de entrar, essa constatação lhe traz tristeza e talvez arrependimento, pois como muitos, deixou de estudar por causa do serviço, do bico, do estresse da profissão, do medo que o cerca de ser morto em qualquer esquina, neuroses que se acumulam com o tempo de trabalho operacional; alguns até se perdem no vício do jogo, do sexo ou das drogas, indo parar no centro de correição após oito dias sem aparecer no trabalho sendo acusado de deserção quando encontrado jogado dentro de uma vala bêbado, machucado e drogado, um verdadeiro mal trapilho humano.

Visão essa que causa indignação por ver no companheiro algo que pode vir a acontecer com qualquer um após vários anos sendo desvalorizado, humilhado e sem apoio psicológico ou de qualquer outra ordem da corporação que foi abraçada por jovens sadios e sem vícios no início da profissão.

O cidadão policial militar vivendo com tão pouco, convivendo com o desprezo dos superiores hierárquicos que não o enxergam como ser humano, mas como apenas um soldado e como tal não tem direitos, apenas deveres e caso não os cumpra, sentirá o peso da caneta e com certeza a "grade lhe espera" causa indignação.

A vida profissional é mesmo árdua e difícil, e sem o apoio de quem estaria para apoiar é mais difícil ainda, apesar da aposentadoria se aproximar o cidadão policial militar muito pouco sabe dos seus direitos, não sabe ao menos fazer uma defesa prévia, alegações finais uma parte que seja, pois tem coisas que só é possível se aprender quando alguém ensina, esquecendo-se aqui dos autodidatas.

Apesar de ser um ótimo comandante de viatura e saber muito bem fazer um B.O, na hora da ocorrência o policial militar tem várias dúvidas quanto ao que pode e não pode fazer, em quem pode e não pode fazer abordagem, como, onde e quando fazer uma prisão e para onde levar um menor infrator ou um cidadão infrator; dúvidas essas provenientes do longo tempo sem fazer uma reciclagem, treinamento, e quando julgado pelo erro cometido não pode alegar tais observações, pois, se prega que foi ensinado na formação do policial militar a quase trinta anos atrás e isso não se esqueceria.

Ao tirar a farda, quando de folga o cidadão policial militar pouco se atreve a ter um minuto de tranquilidade pois mesmo deixando a farda em casa, a farda não o deixa, pois é reconhecido como sendo policial militar vinte e quatro horas, não podendo se esquivar de um fato delituoso mesmo não estando de serviço e em menor número, e caso não haja, ainda incorre em crime de prevaricação, omissão ou qualquer outro artigo que o sagaz superior hierárquico consiga encontrar no código penal militar ou no RDPM.

O termo "estar de folga" para o cidadão policial militar não é uma frase com sentido real, é apenas o momento em que ele tirou a "armadura" e fica a mercê dos inimigos, pois, o policial militar não sofre ameaça, vive sob ameaça e perigo constante, situação nada agradável somada há tantos outros fatores da vida profissional causando stress elevado podendo levar ao suicídio.

Na verdade não é preciso levar uma vida inteira ou trinta anos de serviço para ver a realidade dos fatos, basta apenas abrir os olhos e olhar para o lado, não seja você apenas mais um cidadão policial militar entristecido, decepcionado ou revoltado com a realidade desse abandono com o profissional, faça a diferença, faça parte desta luta que surgiu para ajudar a quem precisa, e quem precisa somos todos nós.

Autor: PM Botelho

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