sábado, 29 de setembro de 2012

Incêndio em Sintra 2007



Quinta-feira 23 de Agosto de 2007, 9 horas da manhã, mais um dia de trabalho, muito calor e como normalmente os grupos tanto o ECIN (equipa de combate a incêndios florestais) viatura VFCI 02, como o ELAC 1 (equipa logística de apoio ao combate) viatura VTTF 03 estão na parada do quartel verificando todo o material das viaturas para que estejam operacionais assim que forem accionadas, o que tem acontecido demasiadas vezes estes últimos dias.
 
 

Às 10:40, toca o alarme para incêndio florestal, foram mobilizados o ECIN e o ELAC 1 e a primeira indicação que temos é para nos deslocarmos para Pernigem, Sintra.

Como sempre todos os elementos das equipas entram para dentro das viaturas e a adrenalina começa a subir “vamos a ele” diz um “ até o comemos” diz outro, e assim entre gritos e frases de alento vamos nos concentrando para mais uma difícil missão que se avizinha.

Durante a viagem a alta velocidade e com os alarmes ligados, o silêncio invade o interior da viatura sentindo-se os níveis de concentração bastante elevados entre todos os elementos.

Á chegada a Magoito avistámos uma densa coluna de fumo o que nos deu desde logo a entender que o incêndio já lavrava com grande intensidade e via rádio entrámos em contacto com o posto de comando para sabermos o local exacto para onde nos devia-mos dirigir no teatro de operações.

Foi-nos transmitido que numa localidade chamada Pernigem estava uma viatura para nos guiar ao local exacto, e já com os níveis de adrenalina no máximo, olhamos uns para os outros com um enorme espírito de equipa, um olhar que transmite um misto de concentração e desejo que tudo corra pelo melhor.

Durante o trajecto nota-mos que o incêndio estava descontrolado, e devido ao forte vento que se fazia sentir ia-mos ter muito trabalho.

Dezenas de pessoas foram retiradas das suas habitações por motivos de segurança, assim como muitos animais e com muita aflição a população vai-nos fazendo sinais e grita “é para aqui é para aqui, o fogo está a chegar à minha casa” sem entenderem porque nós passamos e não os ajudamos, o que para nós é difícil, mas seguimos ordens e a nossa missão era mais à frente junto a um vale em Gouveia onde existiam muitas habitações em risco.

Chegou o grande momento o momento em que ficamos entregues a nós próprios e a Deus. Recebemos ordens do comandante “entrem neste caminho e façam tudo para proteger a casa que está mais abaixo e tentem não deixar passar o incêndio pra cima”.

Estava muito calor e com o fumo denso não se via nada mas já estamos habituados, logo entramos dentro de um portão que deu acesso à casa e já lá estavam mais duas viaturas auto tanques.

Começou o grande combate entre nós bombeiros e as labaredas enormes que consumiam carrascos e pinheiros com grande velocidade.

É indescritível o que se sente naquele momento, ficamos completamente entregues a nós próprios, deixei de ver os meus colegas e com o enorme barulho que existe entre gritos e o trabalhar das bombas das viaturas não se consegue ouvir nada.

-“Preciso mais pressão, monta mais uma linha de agua, cuidado do lado direito o fogo está a chegar aí”, isto tudo são gritos que se ouvem debaixo de um fumo intenso que não nos deixa quase respirar, o calor queima nossa pele debaixo das fardas e só a agua deitada por cima de nós mesmos nos arrefece.

Conseguimos salvar a casa mas não conseguimos o objectivo que era impedir que o incêndio continuasse, mas ficamos muito felizes quando vimos que estava-mos todos ali, sujos cansados mas vivos.

A nossa missão continuava por ali porque agora era preciso efectuar o rescaldo para garantir que com o vento não houvesse reacendimentos.

Com o passar das horas chegava aquilo que nos dificulta mais a mobilidade que é a falta de comer.

Já passava das 15 horas e nós só com o pequeno-almoço e sem ter a certeza a que horas íamos comer.

Com a casa salva era preciso consolidar o rescaldo naquela zona para garantir que não houvesse reacendimentos mais tarde.

Recebemos novas ordens para entrarmos numa picada um caminho cheio de pedras, desnivelado muito apertado, para apagarmos um reacendimento mais abaixo, e o que é muito raro acontecer aconteceu, um pneu traseiro do nosso veículo florestal rebentou.

Ficamos todos desesperados porque com tanta fome e ainda com tanto trabalho pela frente tínhamos agora que trocar a roda o que não iria ser nada fácil devido ao terreno muito ingreme.

Passou 1 hora e conseguimos ter novamente o veículo operacional embora sem pneu suplente mas com um pouco de sorte não iria acontecer outra igual.

Regressados à estrada para abastecer de água a nossa viatura, fomos informados para nos dirigirmos para Nafarros que estava lá o nosso comandante de divisão para novas ordens.

Eram 17 horas e chegados ao local nem nos perguntaram como estava a viatura ou se já tínhamos comido alguma coisa, o que nos disseram foi isto: “ dirijam-se para aquela frente de fogo e acabem com ela”.

O forte vento que se fazia sentir, proporcionou um violento desenvolvimento do incêndio, que com o feno, e carrascos enormes, ganhou uma dimensão de grande envergadura, e tínhamos que evitar que a frente de fogo não atingisse o Parque Natural Sintra Cascais. Valendo a nossa intervenção musculada, dos meios aéreos e de mais de trezentos bombeiros conseguimos que o incêndio ficasse circunscrito pelas às 20Hs.

Quase 20:30 voltámos à estrada e fomos abastecer a nossa viatura a um auto tanque que ali se encontrava para nos dar apoio, estávamos completamente cansados e cheios de fome e como é normal desesperados porque sem comer não se consegue trabalhar nas devidas condições.

Ninguém sabia dizer onde poderíamos comer alguma coisa e por sorte os nossos colegas que estavam no auto tanque tinham dois sacos com quatro sanduíches e duas peças de fruta o que para nós cinco foi como um manjar dos Deuses.

Estávamos a comer dentro da viatura, quando chegou um comandante e nos disse, “dirijam-se para Gouveia que houve um reacendimento”.

Lá fomos nós porque sabíamos que agora tínhamos que fazer um rescaldo bem feito para que não houvesse mais reacendimentos.

Eram 22 horas quando chegaram as nossas colegas, com frango assado pão e sumo para a nossa alimentação, que foi devorada com sofreguidão ali mesmo em pé junto da viatura.

E pronto, ficamos preparados para uma longa noite de prevenção e rescaldos.

Diário de PM/BM

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