Quinta-feira 23 de Agosto de 2007, 9 horas da manhã,
mais um dia de trabalho, muito calor e como normalmente os grupos tanto o ECIN
(equipa de combate a incêndios florestais) viatura VFCI 02, como o ELAC 1
(equipa logística de apoio ao combate) viatura VTTF 03 estão na parada do
quartel verificando todo o material das viaturas para que estejam operacionais
assim que forem accionadas, o que tem acontecido demasiadas vezes estes últimos
dias.
Às 10:40, toca o alarme para incêndio florestal,
foram mobilizados o ECIN e o ELAC 1 e a primeira indicação que temos é para nos
deslocarmos para Pernigem, Sintra.
Como sempre todos os elementos das equipas entram
para dentro das viaturas e a adrenalina começa a subir “vamos a ele” diz um “
até o comemos” diz outro, e assim entre gritos e frases de alento vamos nos
concentrando para mais uma difícil missão que se avizinha.
Durante a viagem a alta velocidade e com os alarmes
ligados, o silêncio invade o interior da viatura sentindo-se os níveis de
concentração bastante elevados entre todos os elementos.
Á chegada a Magoito avistámos uma densa coluna de
fumo o que nos deu desde logo a entender que o incêndio já lavrava com grande
intensidade e via rádio entrámos em contacto com o posto de comando para
sabermos o local exacto para onde nos devia-mos dirigir no teatro de operações.
Foi-nos transmitido que numa localidade chamada
Pernigem estava uma viatura para nos guiar ao local exacto, e já com os níveis
de adrenalina no máximo, olhamos uns para os outros com um enorme espírito de
equipa, um olhar que transmite um misto de concentração e desejo que tudo corra
pelo melhor.
Durante o trajecto nota-mos que o incêndio estava
descontrolado, e devido ao forte vento que se fazia sentir ia-mos ter muito
trabalho.
Dezenas de pessoas foram retiradas das suas
habitações por motivos de segurança, assim como muitos animais e com muita
aflição a população vai-nos fazendo sinais e grita “é para aqui é para aqui, o
fogo está a chegar à minha casa” sem entenderem porque nós passamos e não os ajudamos,
o que para nós é difícil, mas seguimos ordens e a nossa missão era mais à
frente junto a um vale em Gouveia onde existiam muitas habitações em risco.
Chegou o grande momento o momento em que ficamos
entregues a nós próprios e a Deus. Recebemos ordens do comandante “entrem neste
caminho e façam tudo para proteger a casa que está mais abaixo e tentem não
deixar passar o incêndio pra cima”.
Estava muito calor e com o fumo denso não se via
nada mas já estamos habituados, logo entramos dentro de um portão que deu
acesso à casa e já lá estavam mais duas viaturas auto tanques.
Começou o grande combate entre nós bombeiros e as
labaredas enormes que consumiam carrascos e pinheiros com grande velocidade.
É indescritível o que se sente naquele momento,
ficamos completamente entregues a nós próprios, deixei de ver os meus colegas e
com o enorme barulho que existe entre gritos e o trabalhar das bombas das
viaturas não se consegue ouvir nada.
-“Preciso mais pressão, monta mais uma linha de
agua, cuidado do lado direito o fogo está a chegar aí”, isto tudo são gritos
que se ouvem debaixo de um fumo intenso que não nos deixa quase respirar, o
calor queima nossa pele debaixo das fardas e só a agua deitada por cima de nós
mesmos nos arrefece.
Conseguimos salvar a casa mas não conseguimos o
objectivo que era impedir que o incêndio continuasse, mas ficamos muito felizes
quando vimos que estava-mos todos ali, sujos cansados mas vivos.
A nossa missão continuava por ali porque agora era
preciso efectuar o rescaldo para garantir que com o vento não houvesse
reacendimentos.
Com o passar das horas chegava aquilo que nos
dificulta mais a mobilidade que é a falta de comer.
Já passava das 15 horas e nós só com o
pequeno-almoço e sem ter a certeza a que horas íamos comer.
Com a casa salva era preciso consolidar o rescaldo
naquela zona para garantir que não houvesse reacendimentos mais tarde.
Recebemos novas ordens para entrarmos numa picada um
caminho cheio de pedras, desnivelado muito apertado, para apagarmos um
reacendimento mais abaixo, e o que é muito raro acontecer aconteceu, um pneu
traseiro do nosso veículo florestal rebentou.
Ficamos todos desesperados porque com tanta fome e
ainda com tanto trabalho pela frente tínhamos agora que trocar a roda o que não
iria ser nada fácil devido ao terreno muito ingreme.
Passou 1 hora e conseguimos ter novamente o veículo
operacional embora sem pneu suplente mas com um pouco de sorte não iria
acontecer outra igual.
Regressados à estrada para abastecer de água a nossa
viatura, fomos informados para nos dirigirmos para Nafarros que estava lá o
nosso comandante de divisão para novas ordens.
Eram 17 horas e chegados ao local nem nos
perguntaram como estava a viatura ou se já tínhamos comido alguma coisa, o que
nos disseram foi isto: “ dirijam-se para aquela frente de fogo e acabem com
ela”.
O forte vento que se fazia sentir, proporcionou um
violento desenvolvimento do incêndio, que com o feno, e carrascos enormes,
ganhou uma dimensão de grande envergadura, e tínhamos que evitar que a frente
de fogo não atingisse o Parque Natural Sintra Cascais. Valendo a nossa
intervenção musculada, dos meios aéreos e de mais de trezentos bombeiros
conseguimos que o incêndio ficasse circunscrito pelas às 20Hs.
Quase 20:30 voltámos à estrada e fomos abastecer a
nossa viatura a um auto tanque que ali se encontrava para nos dar apoio,
estávamos completamente cansados e cheios de fome e como é normal desesperados
porque sem comer não se consegue trabalhar nas devidas condições.
Ninguém sabia dizer onde poderíamos comer alguma
coisa e por sorte os nossos colegas que estavam no auto tanque tinham dois
sacos com quatro sanduíches e duas peças de fruta o que para nós cinco foi como
um manjar dos Deuses.
Estávamos a comer dentro da viatura, quando chegou
um comandante e nos disse, “dirijam-se para Gouveia que houve um reacendimento”.
Lá fomos nós porque sabíamos que agora tínhamos que
fazer um rescaldo bem feito para que não houvesse mais reacendimentos.
Eram 22 horas quando chegaram as nossas colegas, com
frango assado pão e sumo para a nossa alimentação, que foi devorada com
sofreguidão ali mesmo em pé junto da viatura.
Diário de PM/BM
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários - Regras e Avisos:
- Nosso blog tem o maior prazer em publicar seus comentários. Reserva-se, entretanto, no direito de rejeitar textos com linguagem ofensiva ou obscena, com palavras de baixo calão, com acusações sem provas, com preconceitos de qualquer ordem, que promovam a violência ou que estejam em desacordo com a legislação nacional.
- O comentário precisa ter relação com a postagem.
- Comentários anônimos ou com nomes fantasiosos poderão ser deletados.
- Os comentários são de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores e não refletem a opinião deste blog.