quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O jovem policial





 “Se fôssemos um país mais educados, menos policiais morreriam por nós, menos cidadãos seriam assaltados e mortos, menos jovens se tornariam malfeitores, menos força teriam os narcotraficantes”.



Eu estava botando gasolina no tanque de meu carro e do meu lado estavam dois carros da Brigada Militar. Dois policiais falavam com alguém do posto. Um terceiro, bem junto da minha janela, de costas para mim, portava uma arma grande, que na minha ignorância acho que poderia ser um fuzil ou uma metralhadora. Estava ali, sozinho, e comecei a observá-lo sem que me notasse. Tenso, alerta, consciente de sua missão, olhava para os lados empunhando sua arma com o cano voltado para baixo. Seu rosto era jovem, tão jovem que me comovi. Podia ser meu filho. Mais: podia ser meu neto. Estava tão concentrado no seu dever, tão alerta na sua posição, que fiquei imaginando se, ou quando, ele poderia levar um tiro de algum bandido. Poderia ficar lesado gravemente. Poderia morrer. Por mim, por você, por um de nós, em qualquer parte do Brasil, não importa que nome se dê à sua corporação nem se é da guarda estadual, municipal, federal. Esses jovens se expõem por nós. Morrem por nós. Tentam, num país tão confuso, proteger o cidadão. A gente realmente pensa nisso? Uma vez ao dia, uma vez por semana, uma vez ao mês?

Tentei imaginar também como eu me sentiria se um de meus netos tivesse essa profissão. Que suspiro de alívio a cada noite, ou a cada manhã, sabendo que ele estava em casa. Que angústia sempre que se noticiasse uma perseguição, um tiroteio. Quanto ganha para se expor assim um rapaz desses? Esse tinha na mão esquerda uma fina aliança. Podia ter filhos, com certeza muito pequenos, dada sua pouca idade. Que vida a de milhares de famílias, em troca, penso eu, de uma compensação financeira diminuta.

Impressionada com sua seriedade, com a realidade concreta daquela arma enorme, e com quanto de repente me senti em dívida com aquele quase menino, teimei em adivinhar: quanto ganharia ele? Tanto quanto uma boa empregada doméstica, que não arrisca a vida embora seja importantíssimo numa casa bem organizada onde a valorizam? Tanto quanto uma professora de escola elementar, que vende quinquilharias ou doces feitos em casa para colegas no intervalo das aulas, a fim de se sustentar?

Tanque cheio saí rodando, pensativa: a educação e a segurança são o primeiro eixo da vida de um país digno. Elas e outros tantos fatores. Mas eu, naquele dia, quis pensar em educação e segurança. Com elas gastam-se quilômetros de papel e uma eternidade em falação. Se fôssemos um país mais educado, menos policiais morreriam por nós, com certeza menos cidadãos seriam assaltados, violentados e mortos, menos jovens se tornariam malfeitores, menos força teriam os narcotraficantes. Menos jovens de classe média alta se matariam nas estradas ou venderiam drogas mortais a seus colegas nas escolas ou nos bares.

O problema, o dilema, a tragédia é saber por onde começar: educação começa em casa. Mas, diz um psicólogo amigo meu, os meninos (e meninas) problemáticos (aqui não falo dos saudáveis, que constroem uma vida) em geral não têm pai ou mãe em casa, e têm poucos modelos bons a seguir. Nas escolas, professores e professoras são mal pagos, desestimulados, sobrecarregados e desanimados (não todos, portanto não me xinguem por isso). Nesse caso, a educação deveria começar pelo alto: pelas autoridades, pelos políticos, pelos líderes. Não posso dizer que o Brasil está sendo brindado com uma maioria de políticos modelares, de líderes positivos, de autoridades de atitude impecável.

Então vivemos um dilema triste: começar por baixo, pela faixa etária menor, pela educação em casa e nos primeiros anos na escola, ou começar a reformar a mentalidade dos altos escalões, nos quais alguns líderes se destacam pela autoridade moral e elevada postura, mas a maioria sente muito, está longe disso?

Não creio que haja resposta. Eu não a tenho. Quem a tiver que sugira aos governos, ou aos pais, ou aos colégios. De momento, parece-me que estamos apenas despertando para essa questão crucial, sem a qual nada se fará de importante neste nosso país das utopias.

Este artigo de Lya Luft é escritora, publicado na Veja dessa semana. (23JAN08) .
 
Diário PM/BM
 

 


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