Por: José Ricardo
Lá estava o rapaz na minha frente, a uns dez metros de distância. Devia ter uns 18 anos o infeliz. Minha ponto quarenta estava apontada para seu tórax. O desgraçado não obedeceu a ordem de colocar as mãos na cabeça. Como um filme que se passa em câmera lenta, fui vendo-o colocar a mão para trás da cintura, como se fosse retirar algo de lá. Seria uma arma? Eu gritava para ele colocar as mãos na cabeça. O desgraçado não atendia. O meu organismo foi inundado por doses insólitas de adrenalina. Encostei o dedo na tecla do gatilho, era matar ou morrer.
Tudo parecia passar tão lentamente, talvez porque os pensamentos estivessem acelerados ao extremo. O Soldado Barros estava do meu lado. Talvez ele atirasse antes de mim, ou talvez estivesse esperando eu efetuar o primeiro disparo. No primeiro tiro que eu desse, ele provavelmente iria descarregar sua arma. Ele sempre foi um excelente companheiro de serviço. Era difícil encontrar policial com tamanha disposição. E, naquela época, eu também estava muito motivado. Perdi a conta de quantas vezes nós havíamos adentrado naquela favela sozinhos, só nós dois, incursionando por aqueles becos estreitos e fedorentos de esgoto a céu aberto. O nosso objetivo, pelo menos o meu, nem sempre era prender, pois eu preferia investigar, levantar informações sobre as bocas-de-fumo para depois dar o pulão certeiro e com supremacia de força. Eram incursões espiãs durante a madrugada, único horário que nos restava para combater o crime, pois, antes disso, éramos para-raios de conflitos sociais e familiares.
Num milésimo de segundo, apontei a arma para face do rapaz. Eu não costumava errar, ao menos não em alvos imóveis de papel. Mas a realidade era diferente, e eu decidi que era mais prudente voltar a alinhar a alça e a massa de mira para o tórax do infeliz, região do corpo de maior proporção. Na cabeça, bastaria um, no tórax, seriam necessários uns três disparos efetuados em rápida sequência, ou mais. Quando ele caísse, eu iria parar. O que eu não iria era dar chance para ele efetuar um disparo sequer, caso ele estivesse armado. Eu tinha família, gostava de viver e estava muito novo. O Soldado Barros, ainda mais novo do que eu, tinha namorada, para qual ele dizia que contava tudo que se passava nos nossos turnos de serviço. Sim, ele tinha que anunciar o serviço para a namorada, a Carolyn. De tanto ouvir nossas histórias, a Carolyn acabou ingressando também na Military Police.
O rapaz enfiou a mão no bolso de trás da calça. Eu não parava de gritar para ele colocar as mãos na cabeça. Ele tirou a mão do bolso. Meu dedo começou a pressionar a tecla do gatinho, momento em que percebi que ele havia pegado um papelote de cocaína. Soltei rápido a tecla do gatilho. Mais um milésimo de segundo e o desgraçado iria morrer perfurado tal qual uma peneira. Barros correu em direção do infeliz, enquanto este esfarinhava o pó branco pelo chão. Eu corri também. Barros nem precisou de minha ajuda para, com força moderada, proporcional, conveniente, legal, etc.. Jogar o rapaz no chão e algemá-lo.
Mas de nada adiantou seu esforço, pois não tínhamos prova suficiente para conduzir o infeliz do viciado para a delegacia. Barros não gostou nem um pouco de ter levado “chapéu”. Mas o serviço é assim, nem sempre a gente ganha... Depois de uma conversa muito produtiva que tivemos com o viciado, decidimos liberá-lo.
Nota: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, fatos e lugares são frutos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Qualquer semelhança com fatos reais ou qualquer pessoa, viva ou morta, é mera coincidência.
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