Durante radiopatrulhamento rotineiro pelo centro da
cidade, o Sargento Mike, simultaneamente ao olhar expectante e ao estado de
atenção, pensava em toda sua vida na Military Police.
Pensava nos momentos de alegria, nas amizades, na
união da tropa, nas dificuldades pelas quais passou e na grande frustração do
dia em que ouviu: Você não tem motivação! Você é descontrolado emocionalmente!
Você pode ter uma atitude violenta sob forte pressão
psicológica! Você não fez nada mais do que sua obrigação!
Mike encontrava-se num dilema: continuar na corporação e viver novas
experiências, ou pedir para sair e começar vida nova, na qual pudesse esquecer
aquelas frases que lhe destruíam a estima. Imaginava uma vida simples, honesta,
numa casinha branca lá no pé da serra, pra ele e a esposa morar...
Independentemente do caminho a ser trilhado, ele tinha certeza de que,
mesmo que pedisse baixa, sua vida nunca mais seria como antes. Ele mudara
completamente depois que entrou para a Militay Police. Adquirira uma
experiência de vida praticamente impossível de se obter em outro lugar. E todo
dia de serviço era uma nova experiência, um novo encontro com a realidade de um
submundo feio, sujo e fétido...
Mas a atenção do serviço se sobrepôs aos devaneios, porque, de
repente, Mike e o Patrulheiro Drexter depararam com um indivíduo com o rosto
encoberto por uma camisa desferindo murros na cabeça de um transeunte. Como o
fato acontecia em frente a um banco, imediatamente os policiais pensaram numa
tentativa de assalto. Aproximaram do agressor e determinaram:
- Police! Coloque as mãos sobre a cabeça! Coloque as mãs na cabeça!
O agressor não atendeu as determinações e tentou evadir. Os policiais desembarcaram, o
cercaram e prosseguiram na infrutífera verbalização. Ante a desobediência, o
Patrulheiro Drexter, num movimento rápido, aspergiu gás de pimenta nos olhos do
agressor, único órgão do rosto do indivíduo que não estava tampado pela camisa.
Ao sentir o efeito inquietante e incapacitante do gás, o possível
assaltante esfregou os olhos, momento em que Drexter aproveitou para dar-lhe uma rasteira, derrubando-o. Mike tentou
aplicar-lhe golpes de imobilização, mas ele passou a reagir violentamente com
chutes e murros.
Mike e o infrator se atracaram numa feroz luta corporal, enquanto
Drexter tentava proceder à algemação. O policial Jeff, de folga e à paisana,
vendo a dificuldade dos colegas, largou a namorada e foi apoiar os policiais. Eta tropa
unida! Outra viatura passou
pelo local segundos depois, tendo os policiais desembarcado e se juntado aos
outros três. Depois de todo aquele esforço, o agressor foi algemado.
Tirada a camisa que lhe encobria o rosto, descobriu-se que se tratava de
um morador de rua, velho conhecido do Sargento Mike. Um dia antes de Mike ouvir
“você não tem motivação...”, o graduado quase teve que usar de força letal
contra ele, visto que, ao ser abordado, o indivíduo apoderou-se de uma barra de
ferro e investiu contra o sargento e o patrulheiro.
Naquela feita, Mike teve os braços lesionados, uma vez que também teve
que se atracar ao infrator para desarmá-lo e dominá-lo. E isso aconteceu um dia
antes do dia mais frustrante de sua carreira, dia em que ouviu: Você é
descontrolado emocionalmente! Você...
- Eu caguei na calça - disse o agressor, já algemado, enquanto era
submetido a busca pessoal.
- Verdade! - exclamou o sargento - Onde você tá ficando?
- Eu durmo dentro de uma manilha.
- Manilha de esgoto?
- É, debaixo da ponte.
O comandante da outra guarnição interrompeu a conversa.
- E aí, sargento, pra onde nós vamos levá-lo?
- Pra delegacia.
- Ele tá fedendo demais. Parece que não toma banho há meses.
- Ele disse que mora numa manilha. Deve ficar junto com baratas, ratos,
larvas... Esse cheiro fétido já entranhou nele.
Depois de algemado, não havia alternativa. Puseram o morador de rua na
viatura. O cheiro era insuportável. O veículo policial foi tomado por um odor
de esgoto cheio de bostas, baratas, ratos e tudo de mais nojento que possa
existir nesse tipo de local. Era praticamente impossível permanecer ali dentro
junto com aquele ser fedegoso, que nem parecia ser humano.
Chegando à delegacia, Mike ficou com vergonha de apresentar o conduzido
aos policiais investigativos.
- Aqui, eu tô com um conduzido na viatura, mas ele tá fedendo demais.
Você quer que eu traga ele pra cá? - perguntou o sargento para o chefe do
plantão policial.
- Tá muito ruim?
- Demais! - respondeu o Patrulheiro Drexter.
- Ah, põe ele bem lá no canto, perto do tanque de lavar roupa. Fazer o
quê, né?
- Beleza.
O ser foi tirado da viatura e colocado na delegacia. Mike fez a
ocorrência e, quando a entregava ao chefe de plantão, o Patrulheiro Drexter lhe
chamou:
- Sargento, o conduzido pegou uma barata que tava passando perto dele.
- Não acredito... Nó, é mesmo! Que isso!
O ser pegou a barata, levantou-a na altura dos olhos e fitou-a por
alguns segundos. Depois, foi retirando lentamente suas patas. Fitou-a novamente
e, sem nenhum constrangimento, colocou-a na boca, ainda viva, e passou a
mastigá-la. Sua expressão facial era de estar apreciando uma comida apetitosa.
Mastigou lentamente o inseto ancestral. Por fim, o engoliu.
- É, às vezes a gente pensa que já viu de tudo nessa vida, mas, na
verdade, a gente ainda não viu foi nada! - exclamou o sargento.
Realmente, mesmo que
Mike saísse da Military Police, nunca mais seria o mesmo. As experiências que
se vivem nessa profissão mudam a pessoa completamente. A cada serviço, novas
experiências, novos contatos com um submundo feio, sujo e fedegoso.
Por: José Ricardo
Por: José Ricardo
Nota: Esta é uma obra
de ficção. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.
Diário de PM/BM
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