quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A cada dia um novo dia






Durante radiopatrulhamento rotineiro pelo centro da cidade, o Sargento Mike, simultaneamente ao olhar expectante e ao estado de atenção, pensava em toda sua vida na Military Police.

Pensava nos momentos de alegria, nas amizades, na união da tropa, nas dificuldades pelas quais passou e na grande frustração do dia em que ouviu: Você não tem motivação! Você é descontrolado emocionalmente!

Você pode ter uma atitude violenta sob forte pressão psicológica! Você não fez nada mais do que sua obrigação!

 

Mike encontrava-se num dilema: continuar na corporação e viver novas experiências, ou pedir para sair e começar vida nova, na qual pudesse esquecer aquelas frases que lhe destruíam a estima. Imaginava uma vida simples, honesta, numa casinha branca lá no pé da serra, pra ele e a esposa morar...

Independentemente do caminho a ser trilhado, ele tinha certeza de que, mesmo que pedisse baixa, sua vida nunca mais seria como antes. Ele mudara completamente depois que entrou para a Militay Police. Adquirira uma experiência de vida praticamente impossível de se obter em outro lugar. E todo dia de serviço era uma nova experiência, um novo encontro com a realidade de um submundo feio, sujo e fétido...

 Mas a atenção do serviço se sobrepôs aos devaneios, porque, de repente, Mike e o Patrulheiro Drexter depararam com um indivíduo com o rosto encoberto por uma camisa desferindo murros na cabeça de um transeunte. Como o fato acontecia em frente a um banco, imediatamente os policiais pensaram numa tentativa de assalto. Aproximaram do agressor e determinaram:

- Police! Coloque as mãos sobre a cabeça! Coloque as mãs na cabeça!

O agressor não atendeu as determinações e tentou evadir. Os policiais desembarcaram, o cercaram e prosseguiram na infrutífera verbalização. Ante a desobediência, o Patrulheiro Drexter, num movimento rápido, aspergiu gás de pimenta nos olhos do agressor, único órgão do rosto do indivíduo que não estava tampado pela camisa.

Ao sentir o efeito inquietante e incapacitante do gás, o possível assaltante esfregou os olhos, momento em que Drexter aproveitou para dar-lhe uma rasteira, derrubando-o. Mike tentou aplicar-lhe golpes de imobilização, mas ele passou a reagir violentamente com chutes e murros.

Mike e o infrator se atracaram numa feroz luta corporal, enquanto Drexter tentava proceder à algemação. O policial Jeff, de folga e à paisana, vendo a dificuldade dos colegas, largou a namorada e foi apoiar os policiais. Eta tropa unida!  Outra viatura passou pelo local segundos depois, tendo os policiais desembarcado e se juntado aos outros três. Depois de todo aquele esforço, o agressor foi algemado.

Tirada a camisa que lhe encobria o rosto, descobriu-se que se tratava de um morador de rua, velho conhecido do Sargento Mike. Um dia antes de Mike ouvir “você não tem motivação...”, o graduado quase teve que usar de força letal contra ele, visto que, ao ser abordado, o indivíduo apoderou-se de uma barra de ferro e investiu contra o sargento e o patrulheiro.

Naquela feita, Mike teve os braços lesionados, uma vez que também teve que se atracar ao infrator para desarmá-lo e dominá-lo. E isso aconteceu um dia antes do dia mais frustrante de sua carreira, dia em que ouviu: Você é descontrolado emocionalmente! Você...

- Eu caguei na calça - disse o agressor, já algemado, enquanto era submetido a busca pessoal.

- Verdade! - exclamou o sargento - Onde você tá ficando?

- Eu durmo dentro de uma manilha.

- Manilha de esgoto?

- É, debaixo da ponte.

O comandante da outra guarnição interrompeu a conversa.

- E aí, sargento, pra onde nós vamos levá-lo?

- Pra delegacia.

- Ele tá fedendo demais. Parece que não toma banho há meses.

- Ele disse que mora numa manilha. Deve ficar junto com baratas, ratos, larvas... Esse cheiro fétido já entranhou nele.

Depois de algemado, não havia alternativa. Puseram o morador de rua na viatura. O cheiro era insuportável. O veículo policial foi tomado por um odor de esgoto cheio de bostas, baratas, ratos e tudo de mais nojento que possa existir nesse tipo de local. Era praticamente impossível permanecer ali dentro junto com aquele ser fedegoso, que nem parecia ser humano.

Chegando à delegacia, Mike ficou com vergonha de apresentar o conduzido aos policiais investigativos.

- Aqui, eu tô com um conduzido na viatura, mas ele tá fedendo demais. Você quer que eu traga ele pra cá? - perguntou o sargento para o chefe do plantão policial.

- Tá muito ruim?

- Demais! - respondeu o Patrulheiro Drexter.

- Ah, põe ele bem lá no canto, perto do tanque de lavar roupa. Fazer o quê, né?

- Beleza.

O ser foi tirado da viatura e colocado na delegacia. Mike fez a ocorrência e, quando a entregava ao chefe de plantão, o Patrulheiro Drexter lhe chamou:

- Sargento, o conduzido pegou uma barata que tava passando perto dele.

- Não acredito... Nó, é mesmo! Que isso!

O ser pegou a barata, levantou-a na altura dos olhos e fitou-a por alguns segundos. Depois, foi retirando lentamente suas patas. Fitou-a novamente e, sem nenhum constrangimento, colocou-a na boca, ainda viva, e passou a mastigá-la. Sua expressão facial era de estar apreciando uma comida apetitosa. Mastigou lentamente o inseto ancestral. Por fim, o engoliu.

- É, às vezes a gente pensa que já viu de tudo nessa vida, mas, na verdade, a gente ainda não viu foi nada! - exclamou o sargento.

Realmente, mesmo que Mike saísse da Military Police, nunca mais seria o mesmo. As experiências que se vivem nessa profissão mudam a pessoa completamente. A cada serviço, novas experiências, novos contatos com um submundo feio, sujo e fedegoso.

Por: José Ricardo


Nota: Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.


"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.

 

Diário de PM/BM

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