Na manhã do dia 06/08
recebi uma chamada telefônica de um colega. Foi assim:
- Você soube o que aconteceu com o João?
- Não! O quê?
- Ele reagiu a um assalto e matou o cara!
- Agora?
- Não! Foi nesta madrugada!
- E ele tá bem?
- Tá tudo bem!
No mesmo dia o jornal local publicou a matéria intitulada “Ladrão é morto após tentar roubar delegado da PF”. O artigo informou o seguinte:
“Ao tentar roubar à mão
armada um carro na madrugada de hoje (6), no bairro Fundinho, na região central
de Uberlândia, o assaltante foi surpreendido de maneira letal. A vítima era um
delegado da Polícia Federal de Uberlândia. O autor do assalto W.D.N., 36 anos,
acabou morto a tiros. Ele sacou a arma contra o delegado, que atirou antes para
se defender.
O delegado havia acabado
de estacionar na rua e caminhava pela calçada quando foi abordado pelo
assaltante. W.D.N. empunhava uma pistola calibre 380 prateada. Ele determinou
que a vítima voltasse para o carro e entregasse as chaves e a carteira.
O delegado disse que
pediu ao homem que se acalmasse e que entregaria tudo o que ele quisesse. A
única carteira que possuía, no entanto, era a funcional, onde estava todo o
dinheiro e demais documentos. Ele sacou a arma e identificou-se. Segundo o depoimento
do delegado, antes que o autor atirasse, ele disparou para intimidar e dominar
o assaltante.
Moradores do prédio em
frente ao local do crime disseram para os policiais militares que o delegado
tentou tranquilizar o autor, que demonstrava nervosismo. Mesmo depois de ser
atingido, o assaltante tentou alcançar a arma no chão.
O delegado mandou que
ele permanecesse imóvel e chutou a arma para fora do alcance de W.D.N. A vítima
foi socorrida e levada ao Pronto-Socorro do Hospital de Clínicas da Universidade
Federal de Uberlândia, mas não resistiu aos ferimentos.” (JORNAL CORREIO DE
UBERLÂNDIA, 2010).
Após o confronto, uma
breve investigação indicou que no dia 05/08 o criminoso W.D.N., também
conhecido como Will Pitbull, e três comparsas haviam deixado a cidade de
Uberaba/MG rumo a Uberlândia/MG. Quando chegaram ao destino, eles decidiram
roubar um carro e cometer outros crimes. Como era necessário aterrorizar a
pretensa vítima (e quem sabe matá-la), eles portavam, dentre outras armas, uma
pistola .380 totalmente carregada com 17 cartuchos expansivos (EXPO). A arma
estava pronta, ou seja, com “bala na agulha”.
Poucas horas antes do
confronto, o policial (que em breve seria a vítima da quadrilha) havia
combinado uma reunião com amigos num conhecido restaurante da cidade. Como era
responsável por sua própria segurança, ele portava uma pistola calibre 9 mm
pronta para o uso e totalmente carregada com munição expansiva. Mas não se
engane com as diferenças entre calibres e munições, porque uma arma, por si só,
não é capaz de vencer uma luta. E como a diferença entre viver e morrer é
medida em segundos, você precisa saber que os vencedores nos combates armados
são aqueles mais preparados para reagir.
Assim, o policial
estacionou e desceu do seu carro. Enquanto falava ao celular, ainda próximo à
porta do veículo, ele percebeu um homem se aproximando a pé pelo meio da rua. O
policial continuou observando o homem, que passou por ele e seguiu adiante. Era
óbvio que algo não estava certo, mas o colega não sabia o que exatamente estava
errado. Então, ele deu a volta por trás do carro e quando estava perto do
porta-malas viu aquele mesmo homem retornar em sua direção.
No instante em que o
homem se aproximou, ele sacou aquela pistola .380 e disse: “É um assalto! Entra
no carro que eu tô armado!” O assaltante, que costumava assassinar suas vítimas
em casos semelhantes, ordenou que o policial entrasse no carro e ficasse no
banco do passageiro. Tão logo o criminoso anunciou o roubo, ele se aproximou da
porta do motorista. O policial pediu calma, deu uns passos para trás (como se
fosse atender à exigência do criminoso), e quando o assaltante vacilou, ele
sacou a arma, se identificou e acertou logo os três disparos iniciais.
O primeiro projétil
atingiu a clavícula direita do bandido e se fragmentou, provocando um grande
orifício de entrada, porém com pouca penetração. Surpreso e assustado, o
assaltante se virou (no sentido horário) e ficou completamente de frente para o
policial, quando recebeu o segundo tiro que perfurou o tórax na altura do
mamilo esquerdo. Contudo, estes disparos não foram suficientes para causar a
incapacitação imediata do agressor.
O policial, que usava o
carro como barricada, percebeu que o criminoso se AFASTAVA (1) ainda
resistindo à ordem para se entregar. Então, o colega deixou a barricada e REENQUADROU
(2) o assaltante em sua linha de visada. O bandido continuou seu giro de arma
em punho quando foi atingido pelo terceiro projétil na face lateral esquerda da
caixa torácica (onde se localizam as costelas falsas). Mesmo atingido por três
tiros, o assaltante saiu do alcance do policial (que errou os quatro disparos
seguintes) e conseguiu correr alguns metros antes de se DEITAR (3) no
chão.
Ele não caiu, mas se
deitou dizendo: “Já deu! Já deu! Já deu!” Deitado de costas, o assaltante ainda
tateava o chão à procura da arma que havia caído, quando o policial se
aproximou, chutou a arma e acionou o serviço de atendimento de urgência.
Imaginando a presença de outros criminosos, o policial recuou até o muro de uma
casa podendo observar toda a área. Ao ouvirem e perceberem a quantidade de
tiros, os comparsas fugiram, a vizinhança surgiu nas janelas e a polícia (que
rondava as imediações) chegou.
Então, volto a dizer que
uma arma, por si só, não é capaz de vencer uma luta; que a diferença entre
viver e morrer é medida em segundos; que os vencedores nos combates armados são
aqueles mais preparados para reagir.
Neste incidente, o
colega foi escolhido como vítima porque se comportou como uma vítima potencial
ao permanecer próximo ao carro conversando pelo telefone durante a noite. E
estar armado numa situação assim não significa garantia de segurança. Além
disso, o que poucas pessoas percebem é que carros e motocicletas são
verdadeiras armadilhas.
Se você está dentro ou
próximo do seu carro, certamente você está em perigo. Então, a solução é
observar o lugar antes de parar, estacionar o carro e sair logo do local
desconfiando da aproximação de qualquer pessoa.
Outro aspecto importante
neste episódio é que por mais que os policiais realizem acompanhamentos de
criminosos, vigilâncias ou perseguições, eles jamais consideram a possibilidade
de estarem eles mesmos sendo seguidos ou vigiados. E foi exatamente o que
ocorreu com o policial, quer dizer, as investigações demonstraram que ele foi
seguido antes de ser abordado pelo criminoso.
Felizmente, o policial
foi capaz de alterar rapidamente seu estado mental e comportamental de vítima
indefesa para uma situação de sobrevivência. Foi quando a presa virou predador,
quando a caça virou caçador! A partir daí, ele enganou o bandido e se afastou
dele; usou a traseira do carro como barricada; sacou rápido; enquadrou o alvo;
se identificou; atirou aproveitando 43% dos disparos (a média de aproveitamento
nos tiroteios é de 17%); só deixou a barricada para reenquadrar o alvo; só
parou de atirar quando o alvo desistiu, ao invés de utilizar técnicas
antiquadas como o Double Tap (que ensina o policial a atirar duas vezes
e ESPERAR para ver se algo acontece enquanto ele recebe uma chuva de balas do criminoso);
afastou a arma do bandido; pediu auxílio médico e se protegeu contra outras
possíveis ameaças.
Além disso, este
sobrevivente foi mais um que finalmente percebeu a importância de um carregador
adicional, desmistificando a lenda de que “se você não resolver uma situação
com cinco tiros, não vai resolver com quinze!” Ele também aprendeu que a
carteira de polícia não foi feita para guardar dinheiro, CNH, RG, CPF e outros
badulaques.
No mais, fico feliz que
o colega tenha feito a coisa certa na hora certa! E meu desejo é que ele tenha
vida longa e próspera!
Clique na imagem e
acesse a ilustração do caso:
Importante porque se o
atirador não apontar a arma direito, mesmo que ele queira atirar no alvo,
existe uma boa chance dele errar. Desse modo, quanto mais LONGE do atirador,
maior a margem de erro. Assim, o problema aqui não é o tamanho da arma ou do
calibre, mas o tamanho do alvo que você representa para o atirador.” (Humberto
Wendling, artigo “O que eu faço quando alguém está atirando?”, 2010).
(1) “Na atividade
policial ou no crime, a regra diz que para se fazer uma abordagem é preciso se
aproximar do alvo. Mas quando a circunstância não é favorável e a pessoa não
está mais realizando uma abordagem, e sim lutando pela própria vida, a reação
natural é se AFASTAR do perigo.” (Humberto Wendling, monografia “A
interferência do medo e do estresse nas habilidades policiais treinadas para o
enfrentamento de situações com confronto armado”, 2007).
(1) “Então, a primeira
questão é se o atirador está disparando especificamente em você ou se ele está
atirando em outra pessoa e os projéteis estão indo noutra direção. Estes dois
cenários são relevantes para a escolha da melhor estratégia de reação. De
qualquer modo, os objetivos devem ser: SAIR DA LINHA DE TIRO; SAIR DA VISÃO DO
ATIRADOR e SAIR DA ÁREA. (Humberto Wendling, artigo “O que eu faço quando
alguém está atirando?”, 2010).
(2) “A terceira
consideração é se o atirador está realmente querendo acertar você. Se ele está
decidido em fazer isso, então ele vai rastrear você até colocá-lo dentro da
fatia do bolo (REENQUADRAMENTO) e se aproximar o máximo para acertar o maior
número de tiros.” (Humberto Wendling, artigo “O que eu faço quando alguém está
atirando?”, 2010).
(3) “A menos que o
sistema nervoso central seja atingido, não há qualquer motivo para um indivíduo
ser incapacitado, mesmo por um ferimento fatal, até que a hemorragia seja
suficiente para diminuir a pressão sanguínea e/ou o cérebro ser privado de
oxigênio. Os efeitos da dor, que poderiam contribuir enormemente para a
incapacitação, são normalmente atrasados como resultado de uma séria lesão, tal
como um ferimento balístico.
Quando o ser humano se
depara com uma ameaça, seu corpo desenvolve o Reflexo de Luta ou Fuga. Como a
dor é irrelevante para a sobrevivência, ela é normalmente suprimida por algum
tempo. Portanto, para ser um fator decisivo na incapacitação, primeiro a dor
deve ser percebida, e então deve causar um efeito emocional.” (FBI Academy Firearms
Training Unit, artigo “Handgun wounding factors and effectiveness”, 1989).
Autor: Humberto Wendling é Agente de Polícia
Federal e professor de armamento e tiro.
Diário
de PM/BM
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários - Regras e Avisos:
- Nosso blog tem o maior prazer em publicar seus comentários. Reserva-se, entretanto, no direito de rejeitar textos com linguagem ofensiva ou obscena, com palavras de baixo calão, com acusações sem provas, com preconceitos de qualquer ordem, que promovam a violência ou que estejam em desacordo com a legislação nacional.
- O comentário precisa ter relação com a postagem.
- Comentários anônimos ou com nomes fantasiosos poderão ser deletados.
- Os comentários são de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores e não refletem a opinião deste blog.