Brasília/DF, junho de
2010, Academia Nacional de Polícia, sala de aula do Setor de Armamento e Tiro,
o glorioso SAT.
Após a última prova de
tiro, os alunos, eufóricos e radiantes, se aglomeravam na expectativa de
assistirem o vídeo produzido por um dos professores e que demonstrava uma
pequena, mas importante fase do curso de formação policial, e porque não dizer,
da vida de 600 futuros policiais federais.
Dias antes eu havia dito
para alguns alunos que não existia um policial federal sequer que não tivesse
passado por aquela academia e experimentado a ansiedade e a alegria que eles
sentiriam em poucos instantes. Era tudo que meu coração podia dizer para
aqueles novos e vibrantes colegas. E sobre as tristezas e os desânimos... Isso
eu guardei só pra mim! Mas um amigo não mediu suas palavras ao me orientar no
início da minha carreira. Ele disse: “Se o tiro for pra esquerda, corra pra
direita! Se o tiro for pra direita, corra até o banco e saque o seu salário!
Você não vai mudar o mundo! Ele sempre foi e sempre será assim!”.
De qualquer forma, para
ingresso na PF, o candidato deve, conforme edital, possuir diploma de conclusão
de curso superior. Se aprovado no concurso, ele executará investigações e
operações policiais na prevenção e na repressão a ilícitos penais, bem como
desempenhará outras atividades de interesse do Órgão. Mas antes disso, cada
aspirante estuda, estuda, estuda e estuda. Treina, treina, treina e treina.
Para muitos, são anos nesta rotina.
Então, há uma prova objetiva
de conhecimentos gerais (língua portuguesa, informática, atualidades,
raciocínio lógico, administração, microeconomia, contabilidade, direito e
legislação especial). Segue-se uma prova discursiva. A avaliação psicológica
identifica a capacidade de concentração e atenção, o raciocínio, o controle
emocional, o relacionamento interpessoal, a capacidade de memória e as
características de personalidade. Depois disso, é a vez do exame médico, que de
tão criterioso possui norma própria. O exame de aptidão física inclui testes de
barra fixa, impulsão horizontal, corrida e natação. Os policiais mais antigos
precisaram, além disso, correr 100m, saltar sobre uma barra horizontal, subir
7m numa corda e saltar em distância. Logo é a vez da investigação social requisitar
informações pessoais e certidões infindáveis.
Primeira etapa
concluída, vem o curso de formação profissional, em regime de semi-internato
e/ou internato, exigindo-se do aluno tempo integral com frequência obrigatória
e dedicação exclusiva. Dedicação que o acompanhará pelo resto da vida “e, se
necessário, com o sacrifício da própria vida”. É o que diz o Juramento do
Policial Federal.
Durante mais de quatro
meses, cada futuro policial federal estuda técnicas de abordagem, armamento e
tiro (disciplina que utiliza mais de 1.000 tiros por aluno), atividade física
policial, balística, bombas e explosivos, controle de produtos químicos,
segurança privada, crimes cibernéticos, crimes violentos, criminalística,
defesa pessoal, direção operacional, direitos humanos, ética e deontologia
policial, gerenciamento de crises, identificação papiloscópica, incêndio
florestal, inteligência policial, crime organizado, estudo da polícia,
investigação policial, informática, lavagem de dinheiro, arquivologia,
comunicação social, organização administrativa da polícia, defesa
institucional, imigração, meio ambiente, repressão a entorpecentes, crimes
fazendários, polícia judiciária, crimes previdenciários, pronto socorrismo,
radiocomunicação, regime jurídico, regime disciplinar, segurança aeroportuária,
segurança de dignitários, sistema nacional de armas, técnicas de domínio
tático, entrevista e interrogatório, tráfico ilícito de armas e vigilância. Os
mais antigos ainda estagiavam durante 5 dias no Comando de Operações Táticas.
Semanalmente, todos cantam o Hino Nacional e o Hino da Polícia Federal durante
as solenidades de hasteamento das bandeiras. Todos cantam, todos vibram, todos
os dias!
Depois do curso de
formação e da escolha de lotação, que ocorre de acordo com a nota obtida
durante o curso, os novos policiais são nomeados e tomam posse, deixando para
trás familiares saudosos, porém orgulhosos. Cada um recebe um kit (uma pistola
Glock 9mm; três carregadores; um par de algemas; a carteira funcional que
garante livre porte de arma e franco acesso aos locais sob fiscalização da
polícia, sendo assegurada, quando em serviço, prioridade em todos os tipos de
transportes e comunicações, públicos ou privados, devendo as autoridades
prestar-lhe todo o apoio ou auxílio necessários ao desempenho de suas funções;
senhas de acesso aos sistemas, etc.). Eles são apresentados aos policiais mais
antigos quando tomam conhecimento que possuem 4 horas semanais para a prática
de atividade física e um programa institucional anual de capacitação em
armamento e tiro com 400 tiros. Durante o trabalho, erros e acertos são
cometidos, e experiências adquiridas. E com o tempo suas vidas se ajustam.
Aí, no dia 30 de junho,
abri um e-mail institucional e li o conteúdo do Ofício/Diref/nº 696, de 17 de
junho de 2010, emitido por um dos nossos parceiros na luta contra o crime e a
violência. Imediatamente, lembrei da frase do meu amigo e de outras que já ouvi
(“Você dá muito valor pra isso tudo!”, “Se eu você fosse, não estaria nem aí!”,
“O negócio é prestar outro concurso!”, “A solução é esperar minha próxima
encarnação!”).
O ofício dizia o
seguinte: “Informo a V.Sª que o acesso dos membros dessa corporação às
dependências da XXXXXXXX em Minas Gerais, portando arma de fogo, encontra-se
disciplinado pelo art. 3º da Portaria N.10/124-DIREF, de 15/12/2008, e Portaria
PRESI n.650-174, de 05/04/2005, cópia anexa. Assim, salvo na hipótese em que os
policiais se encontrem em escolta de detentos ou testemunhas, na qual é
permitido o acesso com arma de fogo aos prédios desta Seccional, o ingresso das
pessoas autorizadas a portarem arma de fogo institucional nas instalações da
XXXXXXXX será admitido, desde que a arma seja entregue, sob cautela, à Seção de
Segurança, Vigilância e Transportes – SEVIT, localizada no edifício XXXXXXXX –
Av. XXXXXXXX XXXX – X andar. Sendo assim, solicito que a presente orientação
seja repassada para o conhecimento dos comandados dessa corporação. Certo da
atenção de V.Sª, colho o ensejo para renovar protestos de estima e apreço.”
Agora eu pergunto: como
manter o entusiasmo e acreditar que desempenhamos tarefas importantes para o
país onde vivemos quando até nosso parceiro está contra nós? O que dizer aos
600 novos policiais federais cujos olhos ainda brilham? O que dizer aos 600.000
policiais civis e militares que ainda lutam? Aos 12.000 policiais federais que
ainda tentam? Aos 13.000 policiais rodoviários federais que ainda acreditam?
Aos 75.000 guardas civis que ainda vigiam? Aos 280.000 militares das Forças
Armadas que ainda protegem? Aos milhares de agentes penitenciários que ainda
procuram manter criminosos onde eles devem estar? E o que dizer àqueles que
estão longe e ainda se orgulham de nós?
A verdade é que nenhum
policial brasileiro vai a um órgão público por simples lazer. Todos estão lá
porque estão trabalhando! Policiais portam armas porque criminosos portam
armas, e esta é a segunda melhor forma de defesa contra eles (a primeira é a
prevenção). E armas de fogo estão mais seguras nas mãos de policiais do que
numa gaveta de uma seção de vigilância e transportes. Os cidadãos e nossos
parceiros não devem temer nossas armas; eles devem se precaver contra as armas
empunhadas por pessoas que não têm compromissos com a vida, a liberdade e a
justiça!
Cada policial acredita
que é “forte na linha avançada”. E ele o é, pois apesar das adversidades e do
fogo amigo, ele reclama e insiste para que seu trabalho tenha as condições de
excelência que ele deseja. Portanto, ninguém deve tornar o trabalho policial
mais difícil e desalentador do que já é. Para isto, já existem aqueles que
tramam na escuridão dos esconderijos. O que se espera, é que aqueles homens que
têm o poder nas mãos usem este privilégio divino para melhorar a vida daqueles
que lutam contra o crime e a violência todos os dias.
E se isso não ocorrer,
talvez eu tenha que considerar a possibilidade do meu amigo ser um sábio! Mas
na dúvida, em agosto teremos um treinamento de armamento e tiro em
Uberlândia/MG.
Por: Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal
e Professor de Armamento e Tiro lotado na Delegacia de Polícia Federal em
Uberlândia/MG.
Diário de PM/BM
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