Como sempre faço
ao acordar, leio os jornais online para ver as notícias de última hora, que
quase sempre são as mesmas. Em sua maioria resumem-se em policiais, políticas e
esportivas. Lógico, a massa precisa ser ludibriada para não pensar que sua vida
é uma merda e que os maiores bandidos desse país ocupam lugares estratégicos no
comando da nação.
Vez que outra
aparece o lançamento de um Best Sellers de algum gringo ou um apadrinhado das
grandes empresas televisivas, que são detentoras também da mídia escrita. Mas
isso é outra história.
O que realmente me
choca, não pela brutalidade em si, mas pela quantidade e a maneira como ocorre,
é a morte. A Senhora Dona Persona abdicou da sua famosa foice e a capinha preta
com capuz, modernizou-se, evoluiu junto com a humanidade. Já não usa mais a boa
e velha foice, muito menos as bestas do apocalipse como meio de transporte.
Hoje, ela dispõe
de um aparato infinitamente diversificado, desde fuzis, pistolas, granadas,
facas, canivetes, cacos de vidro, volantes (estes são os mais utilizados,
diariamente – nos feriados eles multiplicam-se), vez que outra usa hélices e
turbinas de aviões (quando ela quer dar seu showzinho particular).
Assim começo meu
dia, pensando em quantas vidas são ceifadas diariamente, de maneira
incrivelmente desnecessária. Dizem que tenho uma profissão de risco, policial
militar. Por vezes até sinto a Dona Persona sentada no banco do carona da viatura,
olhando para mim e rindo com o canto da boca, como quem diz: “Tua hora vai
chegar. Estou de olho em você”.
Passo dias e
noites no fio da navalha, enfrentando o trânsito, a correria, os criminosos,
sempre pronto para um confronto armado, sem saber de onde virá a bala ou quando
ela virá. E Dona Persona ali, com aquele sorriso cínico, o mesmo que costumo
tirar da boca dos vagabundos à base de porrada.
Não tento
desvencilhar-me dela. Nas várias ocorrências que atendo, percebo sua cara de
decepção quando a vítima não morre, e também vejo seu sorriso orgástico quando
o corpo está estendido no chão, quando é dilacerado o orgasmo é múltiplo. Mas
enfim, faz parte do jogo da vida (e da Morte).
Após tanta labuta,
volto para casa, cansado, tenso, com a adrenalina em alta na corrente
sanguínea. É sempre preciso esperar uma hora para que ela baixe.
Minha casa é
modesta, apenas três peças. A cozinha, e sala, é a antiga garagem, que nunca
viu um carro. Meu quarto era a antiga cozinha, amplo, com banheiro, quase uma
suíte. Para mim está de bom tamanho. O piso é todo de cerâmica, desde o portão
de entrada até a pequena área nos fundos.
Posso afirmar que
é aconchegante. Ontem trabalhei a noite toda, uma noite difícil, chuvosa.
Quando chove aqui na cidade, os vagabundos se recolhem, mas nem por isso o
serviço é calmo. A Dona Persona se apossa dos volantes e começa o rodízio de
acidentes. A correria é intensa, ainda mais com nossas precárias viaturas, com
pneus carecas, limpador de para-brisa que não limpa, vidros embaçados, freios
gastos. Mas conseguimos, mesmo assim, conduzir as carroças.
Cheguei a minha
casa com o dia claro, nublado, caindo uma garoa fina e constante. Como sempre
faço, estaciono o carro, fecho o portão, percorro exatos dez metros entre o
carro e a porta de casa, giro a chave, abro a porta, entro. Mas como estava
cansado e já todo ensopado, apurei o passo, queria tirar logo aquela farda já
suja de barro e sangue.
Entrei de supetão,
meu pé direito tocou o piso, escorreguei e caí. Minha cabeça bateu exatamente na
borda do minúsculo degrau na porta. Meu corpo ficou ali na porta, encharcado, o
sangue que escorria da minha cabeça pintava as lajotas de cerâmica.
E cá estou eu e a Dona Persona. Ela sorrindo com
seu orgasmo e eu a chamando de estúpida, a minha morte estúpida
Por: Roberyk
Diário de PM/BM
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários - Regras e Avisos:
- Nosso blog tem o maior prazer em publicar seus comentários. Reserva-se, entretanto, no direito de rejeitar textos com linguagem ofensiva ou obscena, com palavras de baixo calão, com acusações sem provas, com preconceitos de qualquer ordem, que promovam a violência ou que estejam em desacordo com a legislação nacional.
- O comentário precisa ter relação com a postagem.
- Comentários anônimos ou com nomes fantasiosos poderão ser deletados.
- Os comentários são de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores e não refletem a opinião deste blog.