Uma arma de fogo é um objeto inofensivo por natureza. Tão inofensivo
quanto a faca que corta o pão; a madeira do pé de mesa; a viga que sustenta uma
casa; as mãos que pintam quadros; as pernas que jogam bola; a panela de pressão
que cozinha o alimento.
A arma de fogo no coldre do policial, além de inofensiva, é o
instrumento que o protege daqueles empenhados desde cedo no crime e na
violência gratuitas contra a comunidade. Uma arma nas mãos do homem bom é a
última linha de defesa pessoal e familiar (talvez sua última chance) contra o
resultado da política barata de segurança pública.
Armas de fogo, facas, pedaços de madeira, vigas metálicas,
mãos, pernas e panelas são itens inertes. Apesar disso, uns são vitais, outros
são importantes e alguns são necessários. A diferença entre a inércia desses
objetos e a capacidade deles serem usados para ferir ou matar está apenas na
presença humana. Não é qualquer presença, mas o ser humano hostil, incapaz de
viver livre e em harmonia com os propósitos mais elevados da sociedade.
As armas de fogo não são o verdadeiro problema. As pessoas são o
problema, inclusive aquelas que insistem em implementar leis de banimento ou
controle intransigentes de armas, quer por ingenuidade ou ignorância dos fatos,
seja a ignorância inocente ou dogmática.
Alguém já disse que armas não matam pessoas; pessoas matam pessoas. Por
essa razão, muitos assassinatos são cometidos com facas, tesouras, machados,
paus, pedras, garrafas, mãos e pernas. E exemplos de assassinatos sem armas de
fogo não faltam: os ataques com faca que feriram quatorze pessoas numa
universidade no Texas (EUA); o caso Daniella Perez (assassinada a golpes de
tesoura); o caso do índio Galdino Jesus dos Santos (queimado vivo num ponto de
ônibus em Brasília/DF); o atentado terrorista em Boston (EUA) onde foram
utilizadas panelas de pressão.
A diferença de uma arma para ataque e outra destinada a defesa se resume
na utilização criminosa dessa arma. Assim, é o criminoso e não a arma o
verdadeiro problema de segurança pública. Mas criminosos são idolatrados e
romanticamente tidos por muitos como o resultado da injustiça social do mundo
capitalista. Entretanto, a causa do crime e da violência não é a exclusão
social ou a pobreza. Não é a falta de escolaridade ou de educação familiar. É o
interesse próprio, a inveja, a preguiça, o descaso e a loucura do homem
inclinado ao crime, seja ele um criminoso mirim ou um veterano.
Dito isso, e considerando que é mais fácil subjugar o cidadão honesto (o
complacente pagador de impostos com endereço certo) do que implementar
políticas sérias, profissionais e consistentes de segurança pública, surge o
conceito desarmamentista, a última demonstração de frouxidão e desinteresse
estatal no combate ao crime e a violência. Preguiça e desinteresse que impedem
o Estado de solucionar os problemas do sistema prisional; que o impede de
perceber que a cadeia não é lugar para ressocialização de delinquentes
profissionais, mas um local destinado à separação de indivíduos perniciosos do
restante da comunidade pacífica; que impede uma visão moderna da estrutura e da
investigação policial, etc. Quanto a isso, basta dizer que o percentual de
elucidação dos crimes no país está abaixo dos 10%. Essa cifra é tão triste
quanto afirmar que “Dados oficiais mostram que 80% dos crimes ocorridos no
Brasil são realizados com armas adquiridas legalmente.” quando outro estudo1,
do qual participou a entidade Viva Rio (defensora do desarmamento), demonstrou
que apenas 25,6% das armas apreendidas em circunstâncias criminais no Rio de
Janeiro entre os anos de 1951 e 2003 possuíam registro oficial.
É possível determinar o calibre de uma arma utilizada num homicídio pelo
exame da vítima e do projétil, mas nada disso impede a reincidência do
assassino que está à solta e não foi alcançado pela baixa qualidade da
investigação policial. É o que informa Fabrício Rebelo2:
“De acordo com um estudo produzido pelo Ministério
Público do Rio de Janeiro, subsistem, apenas naquele estado, 60 mil homicídios
ocorridos na última década ainda sem elucidação. Destes, em 24 mil não se
identificou sequer a vítima. Embora sejam dados assustadores, o fato é
compatível com a realidade brasileira, que aponta uma taxa de solução de homicídios de apenas 8%, ou, em termos
práticos, somente 4 mil dos 50 mil assassinatos registrados anualmente no país,
conforme os dados adotados oficialmente no Mapa da Violência 2011.” (REBELO,
2011).
Não que isso seja culpa dos homens e mulheres de polícia, mas é o
resultado do modelo policial engessado e da legislação que persistem no país.
O maior erro nas leis desarmamentistas é acreditar que elas controlam as
armas de fogo e diminuem a violência. Tais leis não conseguem controlar ou
evitar aquilo que realmente interessa: o contrabando e o uso criminoso das
armas, simplesmente porque criminosos não obedecem regras, estatutos ou leis.
Essas normas apenas criam restrições que FORÇAM o desarme das
pessoas honestas enquanto os criminosos continuam encontrando e utilizando suas
armas ilegais. Nenhuma arma usada por delinquentes para matar cidadãos está sob
controle. Mas é possível que armas legalizadas caiam nas mãos de bandidos?
Claro que sim! Contudo, apenas um quarto das armas de fogo utilizadas em ações
criminosas possuem registro. É o que disse o próprio estudo do Viva Rio.
Em recentes operações da Polícia Federal, além de quase uma tonelada de
pasta base de cocaína, também foram apreendidos uma pistola Ruger .45 ACP, um
fuzil FN Fal 7,62 mm e um fuzil Colt M16 5,56 mm com lançador de granadas e com
as inscrições “Propriedade do Governo Norte Americano”. A Ruger e a Colt são
americanas e a FN é belga. Então, como essas armas entraram no Brasil? Foram
legalmente importadas ou foram contrabandeadas? Por onde? Por quem? Por quê?
Como? Quando? As leis desarmamentistas são incapazes de responder essas
perguntas e de controlar essas armas. Essas são as armas importadas que equipam
quadrilhas especializadas e grupos organizados. E como é o controle do bom e
velho 38, por exemplo? Depende de quem o possui: se estiver nas mãos do
cidadão, está sob controle rígido ou foi entregue para destruição na campanha
do desarmamento; se estiver nas mãos criminais para matar inocentes, está nas
ruas em local incerto e não sabido.
A entrega de armas na campanha do desarmamento é outra questão. O post
denominado “Primeiro mês do ano registra aumento de 51% de armas entregues” diz
que “O ano de 2013 começou com um significativo aumento de armas de fogo
entregues pela população à Campanha do Desarmamento. Em janeiro, saíram de
circulação 3.714 armas de fogo, 51% a mais do que as recolhidas em dezembro do
ano passado (2.373).” O texto sugere que milhares de pessoas estão aderindo
voluntariamente ao desarmamento por acreditarem que menos armas indicam menos
assassinatos (questão que será tratada na parte 2 desse artigo). Mas a história
informa que o Estado autorizou o registro de armas de fogo sem que os
proprietários precisassem se submeter aos requisitos previstos na Lei nº
10.826/2003 (a chamada anistia). Com isso, muitas pessoas recadastraram suas
armas, cumprindo um dever cívico. Agora, essas pessoas estão retornando para
renovar seus registros. Entretanto, com o fim da anistia, os proprietários são
informados que precisam preencher os requisitos da lei. Para se desvencilhar da
burocracia e do custo do procedimento, a maioria está entregando suas armas a
contragosto. Não há qualquer convencimento de que esses infelizes cidadãos, as
vítimas em potencial, estão participando ativa e voluntariamente do
desarmamento.
Outro texto que merece atenção foi publicado na página no IPEA em
01/04/2013. O artigo denominado “Compra de armas por pessoa cai 40,6% após
Estatuto” informa o seguinte, quando se refere ao perfil do consumidor de arma
de fogo:
“Os jovens de 20 a 29 anos superam em 172% as pessoas
20 anos mais velhas na compra de armas, mas a queda da demanda dos jovens foi
de 51,2% após o Estatuto. Embora tenham menor renda, os analfabetos
e as pessoas com até 3 anos de estudo compram armas com o dobro da
frequência observada entre pessoas com 12 anos ou mais de estudo. Por estrato
de renda, as chances de compra são maiores entre os membros daclasse C,
que superam em 7,5% e 103% as aquisições das classes AB e E, respectivamente.”
(IPEA, 2013). (Grifo nosso).
Esse texto leva à conclusão de que os dados foram obtidos por meio deENTREVISTA
PESSOAL. Se isso estiver correto, então os dados estão de acordo com a
realidade do submundo das ARMAS ILEGAIS. Até porque o
Estatudo proíbe a comercialização de armas de fogo para menores de 25 anos
idade. Homens, jovens, solteiros, de baixa renda e pouca escolaridade,
exatamente o perfil do criminoso violento e das vítimas por armas de fogo no Brasil,
conforme demonstra o Mapa da Violência 2013, e que NÃO estão
devolvendo suas armas. Além disso, como alguém semi-alfabetizado e sem renda
para as necessidades fundamentais teria condições e capacidade para atender os
seguintes requisitos (compra de arma REGISTRADA):
1.
Declarar a efetiva necessidade do armamento;
2.
Comprovar a idoneidade, com apresentação de certidões negativas de
antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e
Eleitoral e não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal
3.
Apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência
certa;
4.
Comprovar a capacidade técnica e a aptidão psicológica para o manuseio
de arma de fogo
É óbvio que o percentual de aquisição LEGAL de armas de
fogo por homens adultos, casados, alfabetizados e com renda acima da média está
em declínio, pois esse é o objetivo e o resultado das restrições impostas às
pessoas que desejam exercer o direito de autodefesa. É esse também o perfil dos
que tentam comprar armas legalmente. Infelizmente, é o mesmo perfil daqueles
que estão entregando sua última chance de defesa.
Portanto, as armas que matam e trazem o terror aos cidadãos não estão
nas mãos da sociedade ordeira, dos policiais ou militares, mas nas garras de
criminosos profissionais (menores, jovens e adultos). Desarmar o cidadão e
permitir que esses criminosos ordenem atos de violência de dentro do sistema
prisional é um dos exemplos da omissão, inabilidade e amadorismo que cercam a
segurança pública. O cenário só não é devastador em razão do empenho dos
policiais engajados na luta contra o crime. É o estilo de vida desses
profissionais e o desejo de fazer o bem, apesar das adversidades, da
desmotivação e da descrença, que impedem o desmantelamento completo da
segurança social.
Por: Humberto Wendling é Agente Especial da PF, Professor de
Armamento e Tiro e Autor do livro Autodefesa Contra o Crime e a Violência – Um
guia para civis e policiais.
Fonte 1: Small Arms in Brazil: Production, Trade, and Holdings, 2010;
Fonte 2: REBELO, Fabricio. Falta de esclarecimento dos crimes impede
traçar perfil criminal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano
16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em:http://jus.com.br/revista/texto/20081.
Fonte 3: Compra de armas por pessoa cai 40,6% após Estatuto, IPEA, 2013.
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