Após 13 anos de serviço, uma das coisas mais importantes que fiz foi
ouvir e observar os policiais mais antigos ou experientes, principalmente
durante os seis anos em que trabalhei na Delegacia de Repressão a Entorpecentes
da SR/DPF/MG.
O termo ANTIGO é relativo, pois pode significar alguns anos a
mais de serviço ou a experiência prévia trazida de outra força policial. Mas
mesmo assim esses policiais sabem das coisas.
Então, o segredo é ouvir os policiais experientes, acreditar nas
histórias que contam e colocar seus ensinamentos em prática na sua própria
vida. “Quando você estiver chegando, tire o cinto de segurança!”; “Eu só atiro
quanto tenho certeza!”; “Se puder beber, comer e descansar; beba, coma e
descanse. Você não sabe quando poderá fazer isso de novo!”; “Policial não
trabalha sozinho!”; “Calma! Ele vai continuar traficando, então a gente prende
ele depois!”; “Algeme pra trás!”; “Fale pouco e ouça muito!”; “Não vá fazer
m... hein!” e “Polícia não foi feita pra ajudar ninguém, mas no mínimo para
atrapalhar!” são algumas frases que ouvi destes policiais.
Portanto, o que eu aprendi a partir disso abrange desde técnicas de
sobrevivência até regras de comportamento que talvez tenham salvo minha vida em
ocasiões que eu sequer percebi.
Não acredite em ninguém
Provavelmente, uma das coisas mais importantes que aprendi nesses anos é
que as pessoas mentem. E não importa se são avós, pais, filhos, esposas,
maridos, irmãs, irmãos, vizinhos, amigos, trabalhadores, desempregados, ateus,
crentes, testemunhas ou mesmo suspeitos, pois todos eles mentem. Apesar de não
mentirem sempre, com certeza todos eles mentem quando você conversa com eles.
Criminosos sempre mentem. Sempre. E eles vão lhe encarar direto nos
olhos, transparecendo seriedade e inocência, e você será tentado a acreditar
neles. Não acredite, porque eles estão mentindo.
Observe as mãos
Se um suspeito for lhe atacar, ele vai usar as mãos. Então, algeme
qualquer um que transmita a impressão de que vai dar mais trabalho, mesmo que
ele não goste disso. “Minha segurança em primeiro lugar, depois o sentimento
alheio!” foi o que ouvi de alguém. Certa vez um preso me disse que eu não
precisava algemá-lo porque ele iria se comportar. Bem, eu o algemei e disse que
aquilo era para a segurança dos policiais e não pra dele. Ele não gostou nada,
mas o fato é que eu ainda estou vivo, e aproveitando cada dia de sol.
Lembre-se, quem diz como o trabalho policial deve ser feito é você e não o
preso.
“As mãos matam!”. Foi o que disse um professor de tiro da Academia
Nacional de Polícia. Então, observe as mãos constantemente já que você estará
correndo risco até que consiga controlar as mãos do criminoso. Além disso,
nenhuma academia de polícia ensina como algemar presos pela frente; e se o
mundo inteiro algema criminosos para trás, você deve fazer o mesmo.
Sempre trave sua algema. Se ela não dispõe de um sistema de trava, então
você deve descartá-la. Por quê? Porque todo delinquente é mentiroso, chato e
folgado. Por isso, se sua algema não estiver travada, ele vai reclamar que ela
está apertando até que você o algeme para frente. O problema é que algemado
para frente, o bandido pode fugir, lutar contra você ou sacar sua arma.
Se você estiver entrevistando um suspeito e ele olhar para um lado,
depois para o outro, e então sobre os seus ombros, provavelmente ele está
procurando um lugar para onde correr. Algeme-o antes que ele fortaleça esta
ideia e tome uma decisão.
Não adquira o hábito de colocar suas próprias mãos nos bolsos ou cruzar
os braços na frente de um suspeito. Isso pode transmitir a impressão de que
você é relaxado ou negligente. Além disso, você pode precisar dessas mãos para
se defender. Então, é preciso que elas estejam disponíveis logo.
Faça uma busca pessoal. Faça outra busca pessoal
Em 28/05/2009 um policial civil foi assassinado e três foram feridos
durante a condução de um preso. O preso foi detido pela Polícia Militar por
estar embriagado e perturbando a ordem.
O suspeito foi levado à delegacia da Polícia Civil de Confresa/MT e
colocado numa cela. Ao ser retirado do local, ele tirou um canivete da cueca e
golpeou os policiais.
O investigador O.S. foi atingido no ombro e morreu em seguida; a escrivã
A.G. recebeu dois golpes, um na cabeça e outro quase no pescoço; o policial
M.M. foi gravemente ferido no abdômen e a investigadora M.S. também foi ferida.
O preso só foi contido quando a policial R.M.M. atirou na perna dele. Ao
que tudo indica, as buscas pessoais realizadas pelas polícias foram mal
conduzidas ou não foram feitas.
Portanto, se outro policial lhe entregar um preso, faça uma nova busca
pessoal antes de assumir a custódia, mesmo que você tenha acabado de ver aquele
policial fazer isso.
Faça uma busca pessoal em qualquer pessoa que esteja perto o suficiente
para manter contato físico numa situação que pode se tornar crítica ou se você
tiver a menor suspeita sobre algo.
Se você não se sente à vontade em “apalpar” alguém, você ainda pode
realizar uma busca pessoal minuciosa. Assim, leve o suspeito até um cômodo
reservado (cela, quarto, etc.) e mande que ele retire toda a roupa, mas uma
peça de cada vez que deve ser entregue na sua mão. Reviste cada peça de roupa.
Ordene que o suspeito, ainda nu, se agache de frente e de costas. Mande que ele
levante os braços e depois as solas dos pés. Ordene que ele esfregue os cabelos
com as mãos, depois abra a boca e ponha a língua para fora.
Dê uma geral em qualquer pessoa que entre na viatura, mesmo que seja
aquele informante que já ajudou a polícia centenas de vezes. Afinal,
informantes também são criminosos. Faça o mesmo ao colocar ou retirar um preso
da cela. Reviste os bancos e o cubículo da viatura antes e depois de colocar um
custodiado dentro do carro. É quando você pode achar drogas, lâminas,
anotações, celulares, armas, etc.
Armas e equipamentos
Sua arma deve estar pronta, envolvida por um coldre de qualidade ou por
suas mãos, e de mais ninguém. Dedo fora do gatilho. Já falei sobre isso em
outros artigos.
Leve um carregador sobressalente. Se puder leve dois carregadores
reservas. Conheço um policial que disparou 15 tiros contra dois assaltantes
armados. Num piscar de olhos o policial ficou sem munição, mas por sorte os
criminosos também ficaram sem munição. Você provavelmente deve conhecer casos
semelhantes. Então, aprenda com as experiências dos outros.
Só atire quando tiver certeza de que é para salvar sua vida ou a de
outra pessoa. Armas foram feitas para incapacitar pessoas, e muitas vezes até
isso é difícil. Tiros não param aviões, automóveis ou motocicletas a não ser
que você acerte o condutor – o que normalmente não é uma ideia razoável. Tiros
também não abrem portas, sendo provável que o projétil atravesse a porta e
acerte um inocente. Já vi esse tipo de ocorrência duas vezes!
Tenha sempre à mão um canivete tático dobrável e um alicate
multifuncional. Certa vez, durante uma operação de DRE, aquela velha camionete
D-20 de cor azul teve o cabo do acelerador quebrado numa estrada entre os
municípios de “São Ninguém” e “Lugar Algum”. Mas foi o alicate multifuncional e
um pedaço de arame de um antigão que nos tirou dali. Ele olhou para mim
sorrindo e disse: “É pra isso que eu carrego estas coisas!”
Em algumas situações você pode levar alternativas menos letais, como um
spray de pimenta, um bastão retrátil. Um bastão é o melhor substituto para a
coronha de uma arma e para as mãos. Imagine que você precise quebrar o vidro de
um carro para socorrer alguém. Sem esta ferramenta, talvez você se sinta
forçado a quebrar a janela usando objetos que não foram desenvolvidos para tal
fim.
Isso me lembra uma orientação muito importante: proteja suas mãos. Como
são elas que vão salvar sua vida, você não deve fazer com elas aquilo que deve
ser feito com uma ferramenta. Não ponha as mãos nos bolsos de um suspeito
porque você pode ser ferido por lâminas ou agulhas.
Compre uma caixa de luvas de látex para procedimentos (luvas
cirúrgicas). A caixa com 100 unidades custa cerca de R$ 15, o que é pouco pela
proteção oferecida contra a imundice e o mau cheiro que normalmente são
encontrados nas casas de pessoas investigadas. Recentemente, recebi um e-mail
de um colega (que ganha R$ 7.500,00 por mês) dizendo que não iria comprar um
kit de limpeza de arma (que custava R$ 20,00) porque isso era tarefa da União.
Espero que ele compre pelo menos a caixa de luvas que custa 25% menos!
Cuidado com objetos que parecem inofensivos
Pessoas desesperadas podem atacá-lo com qualquer objeto à mão,
especialmente na cozinha, no gabinete ou no cartório. Portanto, tenha cuidado
com canetas, grampeadores, ferramentas, tesouras, facas, garrafas, etc.
Lembre-se, observe as mãos e as algeme se suspeitar de algo.
Luzes
Compre uma lanterna de qualidade. Ser capaz de ver bem é tão importante
quanto estar armado. Jamais compre estas lanterninhas xing ling que são
vendidas nas feirinhas de importados. Compre logo uma lanterna Surefire,
Streamlight, Fenix, Blackhawk, Inova, Ultrafire ou Pelican para situações
táticas. Tenha sempre uma Mini Maglite 2AA ou Police para buscas diversas (o
que economiza a bateria e a vida útil da lanterna tática) e uma lanterna de
bolso 1AAA afixada no chaveiro do seu carro para as emergências.
Isso pode parecer um exagero, mas infelizmente tudo que depende da
energia elétrica cedo ou tarde falha ou apaga.
Cuidado ao dirigir a viatura ou perseguir alguém a pé
Não dirija como um doido e ziguezagueando pelas ruas, mesmo numa
situação de emergência. As pessoas demoram a ouvir as sirenes, a entender o que
está acontecendo e o que devem fazer. Com uma viatura é muito fácil você chegar
num cruzamento antes que os outros motoristas percebam. E se você se envolver
num acidente, sua missão acaba aqui porque você não poderá ajudar ninguém se
estiver incapacitado. Portanto, mantenha-se na faixa da esquerda, pois é isto que
manda o código de trânsito e é o que os outros motoristas esperam que você
faça.
Se você estiver perseguindo um criminoso a pé e notar que seus colegas
sumiram, pare – eles terão dificuldade para encontrá-lo caso você precise de
ajuda. Se você estiver perseguindo um criminoso e de repente ele sumir, pare –
talvez ele tenha preparado uma emboscada.
Portanto, não banque o herói. Haverá outra chance para você prendê-lo
algum dia ou ele será morto por um desafeto. De qualquer modo, você vence.
Entrevistando suspeitos
A primeira coisa que você deve fazer ao entrevistar algum suspeito é
evitar perguntas idiotas. Isso parece óbvio, mas mesmo assim cito algumas
perguntas que já foram feitas. Prepare-se! “O que você comeu hoje?”, “Você está
armado?”, “Onde está a droga?”, “Este documento é falso?”, “Você vai fugir?”,
“Esta arma é sua?”, “Por que você não diz a verdade?”.
O segundo aspecto numa entrevista é deixar que o suspeito fale. Quanto
mais ele fala, mais mentiras ele conta. Ouça o que ele diz, tome nota e confira
as informações. Se forem falsas, simplesmente diga ao suspeito que ele está
mentido e que você sabe disso.
Quando você tiver alguém sob sua custódia, jamais comente assuntos
relacionados à investigação. Não diga como você chegou até ele, nem revele
qualquer informação que possa ser utilizada por ele para aperfeiçoar suas
técnicas criminosas. E jamais conte o que ele fez de errado para que você
conseguisse pegá-lo. Isto dificulta o trabalho da polícia depois. Recentemente,
um preso reclamou que a polícia havia entrado muito cedo em sua casa. O
policial respondeu que na verdade a polícia estava no local às 05h30, mas que
ela só poderia entrar no local a partir das 06h. O policial ainda disse que era
costume aguardar alguns minutos pra que todos os relógios marcassem este último
horário. Em outra ocasião, um policial disse ao preso que tinha sido muito
fácil prendê-lo porque ele foi desatento e não percebeu que estava sendo
seguido. Infelizmente, alguns policiais querem mostrar que são bons profissionais,
e acabam revelando informações que não deveriam.
Dê atenção ao instinto
Sempre use o bom senso. Sempre. E se você sentir que há algo errado,
simplesmente acredite que há algo errado. Mantenha este foco mental até ter
certeza se está tudo bem.
Sempre confie na sua intuição. Sempre. É o acúmulo das experiências que
fazem sentido para você e que está trabalhando de modo subconsciente para
mantê-lo a salvo. Isso me leva ao item “Não acreditem em ninguém”.
Abra seus olhos
Saiba que não existem presos “tranquilos” ou “gente boa”. As unidades
prisionais espalhadas pelo país estão repletas de ladrões, assaltantes,
homicidas, latrocidas, estelionatários, falsários, sequestradores,
torturadores, estupradores, traficantes, etc. E nenhum deles é “gente boa” ou “tranquilo”.
Se você ainda tem alguma dúvida, basta perguntar às vítimas!
Dos direitos dos presos
O artigo 42 da Lei 7.210/84 diz o seguinte: “Aplica-se ao preso
provisório e ao submetido à medida de segurança, no que couber, o disposto
nesta Seção.” A expressão NO QUE COUBER implica dizer que o preso não tem
direito a tomar cafezinho, comer pão de queijo, fumar um cigarrinho, perambular
pela delegacia como se fosse um funcionário ou ficar abraçadinho com a
namorada.
Sugestões
Há dezenas de dicas que você pode acrescentar neste texto para torná-lo
melhor. Faça isso e depois leia o artigo de vez em quando.
E não se esqueça de preparar uma BOROCA. Mas se você não sabe o
que é isso, pergunte aos colegas mais antigos ou experientes.
*Este artigo é também uma homenagem aos colegas com quem tive a
oportunidade de aprender na SR/DPF/DF, na DRE/SR/DPF/MG, no SAT/ANP e na
DPF/UDI/MG.
Por: Humberto
Wendling é Agente de
Polícia Federal e professor de Armamento e Tiro lotado na Delegacia de Polícia
Federal em Uberlândia/MG.
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