sexta-feira, 4 de abril de 2014

Contos Policiais - O Caso Robert Pratt







Observação: É, logicamente, um conto maior do que costumo colocar aqui, mas é um conto policial. Acho que quem ler ficará muito satisfeito, pelo menos espero, gostaria de ouvir opiniões. Farei uma série de contos policiais.
 
Ela atravessou a rua da pequena praça para falar com o seu mentor. Era uma mulher decidida, acabara de ser promovida inspetora-chefe da melhor força policial do país. Seu mentor a esperava em um café logo na esquina, escolhera uma mesinha próxima à calçada, sempre gostara de olhar o movimento da rua. Ela se sentou, precisava conversar com ele, precisava apresentar o que havia descoberto, estava nervosa.
 

- Então, quer falar mais uma vez sobre o colaborador? – perguntou seu mentor enquanto fechava o seu jornal e a cumprimentava com um aperto de mão.
 
- Sim, sim. Tenho mais informações sobre ele.
 
- Você não acha que está se preocupando demais com esse caso? Ele não é nem um caso, para falar a verdade.
 
- Você também acha que não tem nada demais, não é?
 
- Acho. Ele é um colaborador mesmo, alguém que resolve crimes e nos ajuda, envia as respostas para os investigadores, qual é o problema?
 
Ela pareceu um pouco irritada, como se já estivesse cansada de ouvir aquele mesmo argumento. E estava. Ninguém parecia entender a gravidade da situação.
 
- Mas Müller, você não compreende. Se você ler as cartas que ele manda vai perceber que tem muita informação ali que ele não deveria ter. Às vezes ele se infiltra em meio aos legistas, investiga as cenas dos crimes e ninguém sabe como. Isso não é normal, não pode ser.
 
- Bem... sua argumentação até faz sentido. É por isso que a ajudo, estou disposto a conversar. O que tem de novo?
 
- Ele me enviou outra carta, mas esta foi diferente, com uma abordagem diferente, tem mais informações, talvez. Não sei dizer ao certo.
 
- E ele mandou para você novamente? Não para outro investigador, mas para você?
 
- Isso.
 
- E o caso foi resolvido?
 
- Foi.
 
- Uhm... Interessante... É a quarta vez seguida que ele escolhe um caso seu, certo?
 
- É, a quarta vez. – respondeu ela, um pouco desconsertada.
 
- Tem certeza de que você não quer descobrir quem é ele por achar que só foi promovida por causa da ajuda que ele te deu?
 
Ela pareceu um pouco contrariada.
 
- Não. Eu já o investigava antes. Ele é que tem escolhido os meus casos por saber que eu quero descobrir quem ele é. Você vai entender quando te mostrar esta última carta. - ela retirou cuidadosamente umas folhas de caderno dobradas de dentro de uma pasta transparente que trouxera e as abriu. - Ele fala sobre o caso do gerente do banco.
 
- Ah, o caso “Robert Pratt”. Como foi encontrada a cena do crime mesmo?
 
- Houve uma falha em todos os sistemas do banco por alguns minutos. Quando o sistema retornou, o gerente foi encontrado morto, com três tiros no peito em frente ao cofre. Os exames apontaram que a arma de onde saíram os disparos era do mesmo calibre das utilizadas pela empresa que fazia a segurança do banco. Esta em especial era para ser utilizada em casos de emergência, ficava numa gaveta, apenas dez funcionários tinham acesso a ela.
 
- Mas vocês não encontraram a arma.
 
- Não. Ainda não.
 
- E como ele ajudou?
 
- É isso que eu quero que você veja. Ele enviou esta carta, é diferente das outras.
 
Ela leu:
 
Cara inspetora Mary Ann Becket,
 
Venho, por meio desta carta, trazer algumas elucidações sobre o que os jornais chamam de caso “Robert Pratt”. Você deve odiar que eu a esteja ajudando novamente. Sei que já me investiga faz algum tempo, por isso resolvi a ajudar em mais um caso. Deve ser difícil tentar descobrir quem eu sou e, ao mesmo tempo, resolver um caso como o do banco, mesmo que ele não seja muito difícil.
Desta vez, vou propor algo diferente. Melhor tornar a nossa convivência mais interessante, tornar o valor das minhas cartas mais único, afinal, a singularidade é o que de fato nos dá personalidade. Abaixo segue um conto que, espero, seja de leitura muito agradável. Ele deve trazer à luz algumas idéias úteis à sua investigação. Espero que goste de minha humilde criação: um detetive bem interessante que carregará consigo o “meu mistério” e que, por isso, será chamado de Michel Moulen, para manter as iniciais.
 
Boa leitura! E saudações,
 
M.M., colaborador
 
- O que acha, Müller? – perguntou Mary Ann.
 
- Ele realmente enviou um conto? – retrucou o mentor.
 
- Mandou.
 
- E você conseguiu resolver o seu crime por causa do conto?
 
- Pode parecer estranho, mas foi isso sim.
 
Müller se ajeitou na cadeira. Desde que a conversa se iniciara, esta era a primeira vez em que parecia realmente interessado.
 
- Isso é bem peculiar! Por favor, leia o conto, quero saber como você resolveu este caso.
Ela prosseguiu com a leitura:
 
Crimes não eram comuns naquela pequena cidade, ainda mais quando envolviam a elite, os poderosos, homens distintos com grande prestígio social. O assassinato chocava. Até o amanhecer foi diferente, perdeu aquele ar silencioso e leve de todas as manhãs para acordar em alvoroço, em um rebuliço que contaminava cada habitante da cidade. O banqueiro Helmut Müller tinha sido assassinado, logo o homem mais rico daquela região.
 
Ele foi encontrado morto logo pela manhã por uma das faxineiras do banco, estatelado dentro do cofre que ficara aberto. A cidade ficou sabendo em pouco tempo do acontecido, era natural que a notícia se espalhasse rápido e que boatos circulassem por todos os lugares. A versão mais oficial por entre as fofocas era de que o velho Müller havia sido atacado por um de seus funcionários após o surpreender tentando roubar o banco. As autoridades não pensavam muito diferente disso, mas ainda não tinham provas suficientes para resolver o caso.
 
O corpo do velho banqueiro fora encontrado junto a uma faca ensangüentada e uma das gavetas-cofre do banco, que repousava ao seu lado no chão. Naquela época, ainda não era possível identificar um criminoso pelas digitais e pelo DNA como fazemos hoje, o que deixou os policiais com algumas dificuldades em descobrir o assassino, até porque nada tinha sido roubado. Não fazia muito sentido que um funcionário tivesse assassinado o velho Müller quando surpreendido, o mais provável é que matar o dono do banco fosse o objetivo primário do criminoso.
 
Intrigado com a repercussão dada ao assassinato, o famoso detetive particular Michel Moulen resolveu ajudar a polícia, algo que fazia de vez em quando, mesmo se achasse que os casos eram simples demais de serem resolvidos. Este parecia ser um deles. Era claro para ele que os inspetores tinham escolhido uma linha errada de investigação, desconsiderando muitas coisas óbvias, porém importantes, como sempre costumavam fazer.
 
Ele entrou na cena do crime e logo acendeu o charuto, como era de costume, para observar com calma cada detalhe do cofre, analisar pacientemente o que a polícia provavelmente deixara escapar. Olhou para as gavetas, estavam todas no lugar, exceto aquela que repousava ao lado do corpo, nada tinha sido roubado. Ele logo descartou todas as suposições feitas pelos inspetores, elas estavam erradas, seguiam no caminho oposto do que deveriam. Não era muito culpa deles também, apenas seguiam os métodos ensinados nas grandes escolas de investigação, gostavam de executar as coisas conforme os manuais.
 
Moulen se abaixou e ficou bem próximo ao corpo, passou a mão na faca e depois levantou a pesada gaveta-cofre. Havia sangue nela também, bem na extremidade, na quina de ferro. O choque entre cabeça e gaveta levara o dono do banco à morte.
 
- Já determinaram a arma do crime? - perguntou.
 
- Já sim. Ele levou uma pancada na cabeça, bateu na gaveta... Não acha que deixaríamos isso passar em branco, não é? – respondeu um dos inspetores, um senhor alto e barbudo, com cara de poucos amigos, que parecia incomodado com a presença do famoso detetive.
 
- Claro que não... claro que não... mas têm muitas outras coisas aqui que foram ignoradas. – murmurou Moulen, em tom quase inaudível. – Mas, diga-me, inspetor... Becket, é isso, não é?
O inspetor apenas confirmou com a cabeça.
 
- Onde está a mesa do funcionário que deveria estar aqui ontem à noite?
 
- É só me seguir, detetive. O garoto já foi levado para ser interrogado. É jovem, deve ter uns dezoito anos, se quiser falar com ele...
 
- Não, só precisarei falar com ele não hora em que necessitar de confirmação.
O inspetor olhou para Moulen um pouco desconfiado, gostaria de saber o que se passava na cabeça dele, fazia muito tempo que o observava e tentava o entender, mas até agora ainda não tivera muito sucesso.
 
Os dois andaram até a mesa. Moulen começou a observar as gavetas, o posicionamento da cadeira, algumas folhas soltas e uma série de outros detalhes que poderiam ser ignorados pelas buscas policiais.
 
- Ahá, vê isso inspetor?
 
- Vejo o quê?
 
- Esta marca de copo, ou xícara, enfim. – disse Moulen enquanto apontava para uma marca no lado direito da mesa. – É recente, significa que o funcionário bebia alguma coisa ontem pela noite e que, por sorte, a marcação deixada pelo copo ainda está bem visível.
 
- Tudo bem, mas isso não tem nada demais.
 
- Precisamos achar esse copo, ou xícara, ou caneca, enfim, você entende.
 
- Se você diz, irei falar com meus homens para procurar.
 
Moulen se sentou na mesa e relaxou, sorria conforme via o inspetor Becket se afastar. Gostava dele, era um bom homem, ainda sem muita experiência no cargo, era claro, mas prometia ser um grande investigador, precisava apenas de um leve empurrão.
 
Algum tempo depois, o inspetor retornou, a perícia tinha encontrado uma xícara de chá ao lado de uma das caixas registradoras.
 
- Bem, o caso está resolvido inspetor, não precisa mais se preocupar. – afirmou o detetive.
 
- Como assim resolvido?
 
- Deixe-me explicar. O garoto que foi levado para o interrogatório é o nosso herói, okay? Ele impediu que o banco fosse roubado, mas é jovem, deve ter ficado nervoso e fugiu; provavelmente ninguém ouviria a sua versão da história. Afinal, quem acreditaria que Müller queria roubar o seu próprio banco?
O inspetor não se pronunciou, apenas deixou escapar um olhar confuso e, ao mesmo tempo, curioso.
 
- Pois então. A xícara que encontramos. Mande fazer a perícia e irá confirmar que ali tem algum tipo de veneno ou, prefiro acreditar, sonífero, assim a culpa pelo roubo cairia sobre o pobre garoto que trabalhava aqui durante as noites. Müller colocou o veneno ou o sonífero no chá e esperou para abrir o cofre. A caixa que ele abrira continha jóias de propriedade do banco que estavam asseguradas. Se alguma coisa acontecesse a elas, a culpa seria da empresa de segurança, que naturalmente arcaria com as despesas.
 
Estamos em uma época de crise, era um roubo fácil e extremamente lucrativo. Mas Müller não contava com o fato de que o seu jovem funcionário acabaria não bebendo o chá, ouviria os barulhos no cofre e o surpreenderia cometendo o crime. Podem checar o garoto, ele provavelmente apresentará ferimentos à faca. Não tenho dúvida de que Müller o atacou, eles brigaram, Müller acabou batendo a cabeça na gaveta-cofre já aberta e caiu desacordado. O garoto ficou assustado e fugiu. Simples.
 
- Tudo bem, tudo bem. Sua explicação faz sentido, mas como prová-la?
 
- Ora, muito simples. Primeiro confirme o veneno ou sonífero na xícara de chá, depois os ferimentos à faca e, por último, pergunte ao garoto o que aconteceu, garanto que a versão dele será muito próxima, ou até mesmo igual, a esta que acabo de lhe dar.
 
O inspetor concordou, deu as ordens aos peritos e se encaminhou à delegacia, onde pretendia interrogar o garoto. No fundo, sabia que Moulen estava certo, mas precisava ter certeza absoluta e confirmação concreta para oficializar a versão do detetive.
 
No dia seguinte, as capas de todos os jornais estampavam a resolução do caso e elogiavam amplamente o inspetor Becket por outro belo trabalho realizado. Uma vez mais, Michel Moulen tinha solucionado um crime para a polícia local.
 
- Estranho. Ele usou o meu sobrenome e o seu.
 
- É, eu sei. Acho que é uma forma dele me dar algumas mensagens. – comentou Mary Ann.
 
- Mas eu não gostei muito. Para você tudo bem, mas eu sou logo o personagem que morre – ele riu. – Isso me pareceu uma ameaça.
 
- É, eu achei isso estranho também.
 
- Mas então, como desvendou o caso apenas com esse conto?
 
- Bem. Presumindo que ele queria me ajudar no caso, mandei que procurassem alguma caneca ou xícara que tivesse passado despercebida no primeiro laudo pericial. Havia uma caneca, mas nenhum sinal de sonífero ou veneno.
 
- E então?
 
- Me sobrou investigar o gerente. A questão é: ele morreu na entrada do cofre, não teria como abri-lo, não teria acesso aos códigos de segurança. Logo, não tinha como furtar nada lá dentro.
 
- Então o conto não fez nenhum sentido!
 
- Foi o que eu inicialmente pensei também. Mas o colaborador nunca tinha se enganado antes, então fiz algo que nunca pensei que faria: investiguei você, afinal, era o seu nome lá. Encontramos telefonemas seus constantes para um dos funcionários da empresa de segurança do banco. Nós interrogamos o funcionário, ele disse que era seu amigo pessoal, nós confirmamos, depois disse que você pediu a chave para a gaveta onde ficava a arma do banco e também para que ele fizesse o sistema “falhar” na hora do assassinato. Ele já está preso.
 
 – ela, então, se levantou. – Eu vim buscar você, mas gostaria de saber: por que você fez isso?
 
- Ei, não... pera aê... isso não é possível! Você não vai acreditar numa história dessas, não é? É como você falou, ele se infiltra entre a gente, pode ter infiltrado provas, comprado esse cara da empresa de segurança! – gritava o mentor, um pouco descontrolado e surpreendido.
 
- Müller... ninguém conseguiria forjar esse tipo de evidência. – afirmou Mary Ann, deixando transparecer claramente um tom de tristeza em sua voz.
 
 – Foi você. Mas por quê?
 
O seu mentor a olhava agora com uma mescla de desprezo e decepção.
 
- Por quê?
 
Ele não respondeu, continuou quieto, como se ponderasse o que faria a seguir.
 
- Bom... você tem o direito de permanecer calado...
 
Ele se levantou e, em um movimento rápido, sacou uma arma com a mão direita. Antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, porém, recebeu dois tiros no peito. Mary Ann, naturalmente, tinha vindo com reforços.
 
Ela se abaixou, triste, deixou que uma ou duas lágrimas lhe escapassem os olhos e olhou para a arma. Era a mesma do crime no banco, a que ainda não tinham encontrado: o caso estava encerrado. No dia seguinte, falariam dela nos jornais.

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